Skip to main content
Intermediate Portuguese With Portuguese With Eli

Intermediate Portuguese With Portuguese With Eli

By Eliaquim Sousa

If you've struggled to find an easy way to improve your listening skills in Portuguese, here you'll have it and much more. If you'd like to support this podcast, please consider buying us a coffee through www.buymeacoffee.com/elisousa :-)
Available on
Apple Podcasts Logo
Google Podcasts Logo
Overcast Logo
Pocket Casts Logo
RadioPublic Logo
Spotify Logo
Currently playing episode

Haggling in Portuguese

Intermediate Portuguese With Portuguese With EliJan 06, 2021

00:00
18:03
Episode 240: Annoying People

Episode 240: Annoying People

Para conhecer o Clube de Conversação, clique no link: https://portuguesewitheli.com/cah

E aqui está o monólogo para seu proveito!

Nunca fui muito abelhudo. Se tem boato, prefiro ficar de fora, porque as consequências sempre podem respingar em mim. Mas teve um dia no supermercado que não teve jeito.

Não teve jeito porque eu estava na fila quando uma senhora tentou furar a fila. O pessoal não ia deixá-la se safar assim. Começaram a reclamar e, depois de um ou dois gritos, conseguiram colocar a senhora no lugar dela. Mas ela não foi sem protesto.

O problema é que ela foi ficar logo atrás de mim. Já não gosto de gente assim, indelicada, porque me indisponho fácil e não sei lidar bem com minha raiva. Mas, por sorte, ela não tentou passar na minha frente. Ficou procurando assunto comigo, mas dei um chega para lá suave. Não gosto de lidar com quem não tem um pingo de consideração pelos outros.

“Ninguém mais respeita uma idosa,” ela disse. “Depois, quando estiverem com minha idade, vão ver só. Bando de infeliz.”

“Para com esse nhenhenhém aí,” quis dizer, mas achei que ia ser fora de propósito. Além do que, não era o momento mais propício para esse tipo de rompante.

Dali a pouco o telefone tocou. Era o celular da senhora. Ela atendeu numa ligeireza, parecia querer desabafar com alguém. Alô, ela disse bem alto. E daí começou a falar com a pessoa do outro lado da linha.

Quem quer que estivesse do outro lado da linha, ou era surdo ou era duro de ouvido. Nunca vi pessoa mais gritalhona do que aquela senhora falando ao telefone. Se fosse só isso já era problema suficiente, mas a senhora achou interessante esmiuçar a vida íntima de uma tal de Marluce ali mesmo. Ela falava para todo mundo ouvir. As pessoas começaram a olhar e apontar. Eu não precisava olhar, não seria insensato a esse ponto. Mas aparentemente a tal da Marluce estava traindo o marido. A senhora ao telefone fazia o maior estardalhaço. Todo mundo achava o comportamento tacanho. Eu também. Mas não era isso que ia me impedir de desfrutar da história.

Mar 21, 202435:00
Episode 239: Talking about Textures 1

Episode 239: Talking about Textures 1

Para ter aulas em grupo e discutir os assuntos do podcast, visite: https://portuguesewitheli.com/cah

E aqui está a transcrição para seu proveito!

Quando adolescente, tive uma experiência que é ver para crer. Sei que vai parecer que sou pancada, mas aos dezessete anos fui abduzido. Não, não fui raptado... pelo menos não por pessoas. Foi bem bizarro e até eu custo a acreditar, então entendo seu ceticismo ao me ouvir.

Mas vou te contar mesmo assim.

Era madrugada. Eu estava dormindo. Do nada, acordei atordoado com um zunido forte. De repente, senti um formigamento na minha pele, vi um brilho muito forte e não consegui me mexer. Meus músculos estavam todos retesados. Daí, meu corpo ficou levinho, levinho. Era como se eu pesasse tanto quanto uma pena. Comecei a flutuar. E logo em seguida senti que estava estirado numa mesa lisa – acho que como essas mesas de frigorífico, onde cortam a carne. Engraçado é que eu não tinha entrado em pânico...

Ainda.

Foi quando senti um toque viscoso no meu braço. Eram dedos finos e pegajosos, e ao toque pareciam lesmas. Eu não conseguia divisar ninguém com aquela luz toda. A mão me puxou, e me sentei. Quem quer que estivesse me segurando pelos braços, me ajudou a me levantar e depois me conduziu para algum lugar. O chão era estranhamente duro e rugoso. Contrastava muito com o liso da mesa. Fui caminhando por um corredor escuro. Depois de um tempo, o chão debaixo dos meus pés foi ficando macio e agradável. Era como estar pisando em grama.

Então meus abdutores me levaram a uma mesa repleta de coisas estranhas. Um deles apontou para uma coisa que parecia uma pedra. Eu encostei na coisa. Meu dedo roçou na casca. Tinha um toque áspero, como lixa d’água, mas não era dura. Eu pressionei um dedo contra ela e ela cedeu. Então meu dedo perfurou a coisa e ela parecia esponjosa por dentro, e um suco aguado jorrou de dentro. Tomei um susto. Mas por curiosidade, levei o dedo à boca e, minha nossa, que coisa gostosa! Tinha um sabor indescritível.

O ET fez um barulhinho como se estivesse satisfeito. Em seguida, me mostrou mais e fez um gesto. Então finalmente a ficha caiu. Queriam que eu comesse! Eram frutas do planeta deles! Comi uma planta escorregadia que caiu da minha mão três vezes. Tomei um copo de suco que era tão gorduroso que me dava a sensação de estar tomando uma garrafa de óleo. Ao invés de matar minha sede, me deixou ainda mais sedento, com a língua seca como papel.

Ao cabo de algumas horas – pelo menos pareceram horas para mim –, meus captores me trouxeram de volta para minha casa. Antes de partirem, estenderam a mão para um aperto, mas eu só acenei. As frutas eram deliciosas e saí de barriga cheia, mas não gostava nada, nada daquele toque viscoso da mão deles.

Feb 24, 202445:15
Cultural Portuguese 002: Dia dos Namorados

Cultural Portuguese 002: Dia dos Namorados

Eu te dou as boas-vindas a nossa nova série contínua de episódios chamada Português Cultural. Em cada episódio nós discutimos aspectos culturais diferentes do Brasil e de outros países de fala portuguesa.

Para saber mais sobre o nosso programa de educação continuada, clique no link a seguir: ⁠https://portuguesewitheli.com/plg⁠ Com ele, você tem acesso às transcrições completas dos episódios de Português Cultural e de outros episódios do nosso podcast.

Hoje falamos sobre o dia dos namorados!

E para saber mais: https://www.dosepublicitaria.com/2017/06/dia-dos-namorados-no-brasil-invencao-de.html

Feb 05, 202413:09
Episode 226: A Business Dinner

Episode 226: A Business Dinner

Para mais informações, visite meu site: https://portuguesewitheli.com

Aqui está o monólogo para seu proveito:

Era um jantar de negócios. André, meu colega de trabalho, e eu chegamos no horário. O futuro parceiro comercial na nossa nova empreitada, não. Cristiano chegou com quase vinte minutos de atraso.

André e eu nos entreolhamos, mas ficamos de bico fechado. Pensei: não é porque começamos com o pé esquerdo que tenhamos de ir ladeira abaixo.

Como nossa empresa havia feito a cortesia de convidar, a conta era nossa. Cristiano parece ter visto isso como um sinal verde para comer até estourar, porque ele foi logo pedindo um pratão de churrasco, um vinho da casa e um monte de petiscos, tudo ao mesmo tempo. André parecia horrorizado. Eu mantive a compostura. Podia estar com fome, mas não ia fazer feio na frente de quem me garantiria um contrato milionário... e uma comissão gorda.

Tinha de, literalmente, comer pelas beiradas.

Enquanto comíamos, apresentei com o auxílio de um tablet nossas necessidades de expansão e investimento. André apenas olhava com desdém a falta de requinte de nosso convidado. Cristiano ora olhava o celular, ora nos ouvia, e, entre uma garfada e outra, lambia os dedos. — Cristiano, eu preciso que... — comecei a dizer, mas ele me interrompeu com um arroto.

André então não se aguentou.

— Seu Cristiano, isso são modos?

O rompante de André pegou Cristiano de surpresa.

— Desde que a gente chegou aqui, tudo o que o senhor faz é se lambuzar feito um porco e nos deixar de lado.

Cristiano então se recuperou do susto e disse com aspereza:

— Não sou eu que preciso de vocês.

Eita. Dei uma cotovelada em André e pedi ao Cristiano uma licencinha, porque tinha de conversar um bocadinho ali com o André.

Você perdeu o juízo? Quer ir para o olho da rua?

— Antes o olho da rua que um chiqueiro com aquele imundo...

André permaneceu irredutível. — Qual é, André? Isso aqui por um acaso é algum jantar de gala? Vambora, dá pelo menos uma chance.

André anuiu, resignado.

Já lavaram a roupa suja? — perguntou Cristiano quando voltamos.

André ia preparando uma resposta, mas eu intervi. Eu também já não aguentava mais a cara daquele sujeito, mas não podia cometer nenhum deslize.

Na hora do brinde, o André se fingiu de estabanado, derrubou a taça de vinho do Cristiano no chão na hora do brinde e ainda disse “não se preocupe, ainda dá para beber”.

Naquela hora, não me aguentei e ri. Já estava tudo perdido mesmo, então que se danasse a situação. Até aquele momento, tinha mantido um comportamento discreto e sóbrio. Mas joguei tudo para o alto e decidi fazer o que bem entendesse.

O resto do jantar transcorreu normalmente, se é que se pode chamar aquela barbárie de normal. Fui para casa, frustradíssimo. No outro dia, recebi um e-mail do meu chefe dizendo que o novo sócio tinha ficado tão impressionado conosco que decidiu fechar o contrato ali mesmo.

Fiquei embasbacado. Se havia algo a aprender com aquela situação, passou batido por mim.

Jan 24, 202447:04
Episode 225: Talent Shows

Episode 225: Talent Shows

Find out your Portuguese level in 48 hours! Go to https://portuguesewitheli.com/assessment 

And here’s the monologue for your benefit!

Quando eu era pequena, achava o máximo aqueles programas de calouros: Chacrinha, Sílvio Santos... Sonhava com os jurados levantando as plaquinhas com um 10 e o apresentador anunciando: “Marlene Silva!” Eu ia dar um show... se tivesse chance de pelo menos participar. Mas meus pais não me deixavam... estávamos em plena ditadura e tínhamos mais com o que nos preocupar. Arrancar aplausos de um público não era uma dessas preocupações.

Mas minha sorte mudou quando minha filha nasceu. Fiquei tão orgulhosa quando, ao dar os primeiros passos, ela já começou fazendo bonito: sapateava como ninguém. Comprei-lhe sapatos e disse: minha filha vai ser uma estrela. Sendo ainda tão fofa, ia cair no gosto do público rapidinho.

O treinamento foi árduo. Desde pequenininha, eu a levava para as aulas de dança e canto. Queríamos que ela roubasse a cena aonde quer que fosse. Aprendeu a cantar, dançar, fazer malabarismo... Além disso, era uma anfitriã nata: em casa, fazia sala para as visitas; nos pequenos shows que dava, arrancava gargalhadas da plateia. Ela levava muito jeito para a coisa.

Mas uma boa recepção não era unanimidade.

Uma vizinha minha, Aurineide, adorava me espezinhar, dizendo que eu não era mãe boa porque submetia minha filha àquele tipo de rotina. E onde é que estava o problema? Minha filha adorava o palco. Além do quê, sabia que a Aurineide era muito era despeitada, isso sim. Ela sabia que a filha dela não chegava nem aos pés da minha no quesito talento.

E qual não foi minha surpresa quando vi a Aurineide e a filha dela na banca de inscrição para o concurso de talentos da cidade? Aí foi que minha filha e eu redobramos os esforços. Ensaiamos dia e noite o número de minha filha. Ora eu fazia o papel de jurado comovido, ora de jurado indiferente, para ver como minha filha se saía. E ela tirava de letra todas as vezes.

Até que chegou o grande dia.

Minha filha foi impecável. A filha da Aurineide foi meio assim, e quando terminou seu número, o público bateu palmas, mas foi meio morno. E aí foi que veio a surpresa. Os jurados disseram que houve empate entre minha filha e a filha da Aurineide. Que disparate! Minha filha demonstrou toda a maestria de uma verdadeira vedete e esses imbecis dizem que ela foi comparável com aquela sem-graça da filha da Aurineide.

Ah, mas a gente não vai deixar isso barato. Agora é vale-tudo. Ela vai ver.

Dec 30, 202350:51
Episode 224: We do Discuss Musical Taste

Episode 224: We do Discuss Musical Taste

Quer participar do Clube de Conversação? Visite https://portuguesewitheli.com/cah

E aqui está o monólogo para seu proveito!

Dizem que quando um não quer, dois não brigam. Acho que é verdade. Mas sabe, quando o negócio é gosto musical, o caldo pode entornar rapidinho.

Tenho três amigos com quem sempre viajo. E gostamos de viajar de carro. Durante o trajeto, ouvimos músicas para passar o tempo, mas nunca fomos muito longe. Esse mês calhou de todos estarmos de férias, então fizemos as malas e colocamos o pé na estrada.

Dos meus amigos, o único que é de bossa-nova sou eu. Júlio é amarrado em sertanejo. A Marina é a roqueira de plantão e o Pedro... ele adora funk. Eca, eu sei, música de má qualidade. Mas como se diz, gosto não se discute.

Na nossa viagem, a escolha da trilha sonora foi uma discussão acalorada. Eu queria colocar os sucessos de Tom Jobim que embalaram a minha juventude. A Marina disse logo que era música de velho. Ela preferia os acordes da guitarra do Iron Maiden. “Que bossa-nova e rock que nada!” disse Júlio. “A gente vai ouvir é Marília Mendonça!” E o Pedro queria requebrar até o chão com funk, se desse, claro.

Depois de muita falação, chegamos a um meio-termo: a gente dividia a duração da viagem por quatro e o resultado seria o número de horas que cada um tocaria a música de que gosta.

A primeira hora e meia foi uma tortura. Eu pensava que funk era ruim, mas sertanejo é bem pior. São uns homens com voz de taquara rachada, super desafinados, cantando músicas com letras estúpidas que exaltam a bebedeira e a traição. Não admirava que Júlio fosse solteiro e depressivo.

Quando chegou a hora do rock da Marina, pelo menos deu para aguentar. O batuque da bateria e a melodia das letras pelo menos têm mais variedade. E como cantavam em inglês, eu não fazia ideia do que diziam... e era melhor assim. E as músicas tinham uma pegada mais dançante, que era agradável de acompanhar. Não era bom, mas aprazível.

Em seguida, foi o funk do Pedro. Gente, como é que alguém gosta daquilo? Não é querendo esnobar não, mas que música de baixa qualidade! E ainda tinha uma parte que tentaram dar um verniz de sofisticação para o funk e fizeram um acústico que ficou passável, mas ainda assim eu não tenho saco para isso.

Depois da hora e meia de tortura, finalmente tinha chegado a minha vez. Ia escutar os acordes do violão de João Gilberto e... quando começou a tocar Chega de Saudade, o Pedro bateu no meu ombro e disse: chegamos.

Todos eles saíram do carro mais rápido do que um relâmpago. Eu ia sair também, mas sabe? Eu ia curtir a minha hora e meia de bossa-nova. E fiquei lá.

Dec 28, 202343:06
Episode 223: Humanities or Sciences?

Episode 223: Humanities or Sciences?

For more information, please go to https://portuguesewitheli.com

And here is the monologue for your benefit.

Quando se é adolescente com um monte de escolhas a fazer, nunca é fácil selecionar a carreira que se vai seguir pela vida toda. Se por um lado o mundo nos oferece um mar de possibilidades, por outro nos joga nas costas tantas responsabilidades que, se dermos um passo em falso, podemos cair num buraco sem fundo.

Uma das minhas fontes de inspiração foram meus colegas de escola. Um deles sabia desde sempre que queria ser médico. Além de ser um fã de carteirinha de Grey’s Anatomy, ele pensava “fora da caixa” e tinha muita empatia pelas pessoas. Também tinha estômago para ver sangue. Eu não dava para isso. Se eu vejo uma gotinha de sangue que seja, desmaio logo.

Outro sujeito via tudo preto no branco. Para ele, pão era pão e queijo era queijo. Ele não lidava muito bem com abstrações filosóficas, então foi estudar engenharia. Minha escolha ficou entre a razão e a emoção: eu não era muito ruim com números, mas tampouco era um Machado de Assis. Se escolhesse algo de Humanas, sabia que tinha pela frente um verdadeiro calvário financeiro. Se escolhesse algo de Exatas, quebraria muito a cabeça no começo, pois só de imaginar meu pensamento já ficava todo emaranhado. Mas a recompensa financeira poderia ser útil para me firmar na vida no futuro.

Escolhi Exatas.

No primeiro semestre do curso foi um desengano. Meus colegas falavam de funções bijetoras e de cosseno e sei lá mais o quê e eu ficava mais perdido que cachorro em dia de mudança. Quando olhava para aquelas funções na lousa, minha vista ficava turva e eu começava a suar frio. Até entrei para um grupo de estudos, mas o pessoal era muito fera em matemática e não tinham muita paciência com principiantes.

Meu desespero chegou ao auge quando fui designado para apresentar um seminário sobre teoria dos Grafos e suas aplicações. Passei horas devorando livros e mais livros, mas nada entrava na minha cabeça. No fim, fui apresentar com os parcos conhecimentos que tinha adquirido. Na hora da apresentação, não conseguia concatenar minhas falas. Estava me borrando todo de vergonha. Todo mundo me olhava cheio de esperança e eu ali, deixando todos na expectativa. No fim, respirei fundo e decidi: se já estava no inferno, que abraçasse o capeta. Comecei a enrolar e enrolar e no fim da apresentação um professor veio trocar um lero comigo.

“Você já pensou em cursar filosofia? Você discute abstrações muito bem!”

E foi assim que me vi matriculado em filosofia. Agora me sinto entre iguais. Porém, continuo a calcular... mas dessa vez, calculo as probabilidades de arranjar um emprego depois de me formar.


Nov 28, 202339:22
Episode 238: Scheduling Problems

Episode 238: Scheduling Problems

For conversation classes with likeminded individuals who are learning Portuguese and chattinga  lot, visit: https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit:

Dizem que brasileiro nunca chega na hora... mas mais difícil que chegar na hora, para mim está sendo encontrar essa hora.

Veja bem. Há alguns meses, percebi que precisava de terapia. Sabe, a vida andava tão espinhosa que precisava de alguém com quem desabafar. Depois de muita procura, encontrei uma psicóloga especialista em comportamento que poderia me ajudar.

Tentei reservar uma hora para a triagem com ela, mas a secretária pegou e me disse que a psicóloga estava com a agenda lotada até o mês seguinte. Será que eu teria disponibilidade para esperar?

Teria, teria sim.

Quando foi no dia anterior à consulta, a psicóloga em pessoa me telefonou e disse que infelizmente tinha um compromisso inadiável no dia seguinte e que ia ter de reagendar a consulta pela qual esperei um mês. Bufei e bufei, mas, fazer o quê? Eu estava de mãos atadas. Perguntei para quando ela tinha vaga e ela me pediu um minutinho, só para dar uma espiada na agenda. Tinha como me encaixar na outra semana, será que eu estaria disposto?

Estava, estava sim.

Chegando o dia, foi a minha vez de ser furão. Acabou que eu tinha me esquecido de que tinha um encontro naquele dia e já fazia tanto tempo que eu estava encalhado que era melhor dar um bolo na doutora que na pretendente. Liguei para o consultório, inventei uma desculpinha boba e perguntei se ainda havia a possibilidade de remarcar, ao que a secretária, audivelmente contrariada, disse que “a doutora está com a agenda cheia, só se atende com marcação prévia” e tal e tal.

Depois desse pega-pega telefônico, conseguimos enfim conciliar nossos horários. No dia da consulta, cheguei pontualmente no horário marcado. Na pauta do dia só havia reclamações. Chorei largado, falei de tudo o que me angustiava e a doutora me ouviu compenetrada. Findos vinte minutos, ela me disse que já tinha do que precisava, trocamos um aperto de mãos e fui eu para o meu lado e ela para o dela, mas não sem antes que ela me dissesse: “agora o senhor pode agendar o retorno com a menina da recepção”.

E já faz duas semanas que estou tentando marcar esse retorno.

Oct 20, 202344:44
Episode 237: A nightmare with the credit card

Episode 237: A nightmare with the credit card

If you'd like to join us in our weekly conversations, please visit https://portuguesewitheli.com/cah. And here is the monologue for your benefit.

Sei que vai ficar parecendo uma reunião do AA, mas, oi, bom dia, sou o Luís e estou há cinco meses sem usar o cartão de crédito.

Minha história com o cartão começou ainda na universidade. Na época, eu estudava sociologia e não tinha nenhuma preocupação financeira. Na verdade, o único aperto que passava era na hora de subir no ônibus. Então levava uma vidinha boa. Não comprava tudo o que queria, mas tinha tudo de que precisava.

Mas como se sabe, o cão está sempre à espreita, para desvirtuar as ovelhas do Senhor.

Um dia eu estava passeando no shopping quando uma dessas moças que vendem cartão de crédito me abordou. “O senhor já tem cartão?” Respondi que não, que era apenas um universitário e não tinha renda. Ela sorriu e disse: “Mas o senhor tem crédito pré-aprovado conosco! Só precisa me informar uns dados e vai ter um cartão novinho sem anuidade no primeiro ano.”

Pensei: que mal tem? Não ia gastar em muita coisa. Só precisava para uns livros e um cineminha aqui e ali. Então acabei cedendo e fiz o cartão.

O limite que me deram era de três vezes o salário-mínimo. Três vezes! Você sabe o que é isso na mão de um jovem inconsequente de 19 anos? Era um convite para a ruína!

Jurei para mim mesmo que não o usaria, mas, sabe, quando saiu o novo modelo do iPhone no mercado, todos os meus amigos o tinham. Eu sabia que não precisava, mas podia parcelar em 24 suaves prestações... e caí na tentação de o fazer.

Ai, se arrependimento matasse...

As três primeiras faturas, paguei antes do vencimento. O banco tomou esse ato por uma capacidade de pagamento maior e me deu mais limite. Me segurei como pude, mas, sabe como é, né? Antes, com os cartões que tinham chip, ainda era necessário inserir o cartão na máquina, mas agora com esses de aproximação... tudo ficou tão fácil. Se dava vontade de tomar sorvete, passava o cartão. Ih, uma visita inesperada? Passa o cartão. Está faltando roupa para a festa? Passa o cartão. E fui passando e passando até que bum! Estourei o limite pela primeira vez. O cartão foi bloqueado. Foi uma miséria. Comecei a pagar só o mínimo todo mês. Entrei no rotativo. E todo mês era mais e mais que tinha de pagar. Virou uma bola de neve.

No fim, tive de trancar a faculdade, conseguir um emprego às pressas, fazer outras coisas por fora e quebrar meu cartão, para não fraquejar outra vez. Agora estou empenhado em limpar meu nome e nunca mais contar com esse “fiel escudeiro”, o cartão de crédito.

Oct 18, 202336:50
Episode 236: A Stingy Uncle

Episode 236: A Stingy Uncle

Do you want to join us in our weekly conversations? No long-term commitments, no contracts, just drop by and join us: https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit!

Pelo que me contavam, minha avó era uma pessoa frugal. E como dizem que “filho de peixe, peixinho é”, era de se esperar que a cria dela saísse tal qual a forma. E em parte, saiu sim.

Tem o caso da minha mãe e do meu tio.

Minha mãe sempre foi gastadeira, mas ela também tinha sorte porque ganhava dinheiro muito rápido. Ela se virava como podia e, graças a Deus, nunca faltou nada na nossa mesa.

Já na mesa do meu tio... faltava, mas não era por carência não. Era por avareza.

Meu tio era tão econômico que, se você lhe desse um punhado de sabão em pó e pedisse que ele mergulhasse no mar, o sabão em pó saía seco.

Na casa de meu tio, a televisão ainda é daquelas de tubo. Ele a comprou no final da década de 1990. Toda vida que a TV dava defeito, ele ia lá e fazia algum conserto. Até que a TV virou um Frankenstein: era parte de um, pedaço de outro... mesmo quando tiraram o sinal analógico de circulação, meu tio disse que não ia trocar de TV. Comprou um adaptador de segunda mão. A recepção era horrível e o sinal só pegava uma vez perdida. Mas quando pega, ele sorri triunfante e diz: “viu? Ela ainda tá novinha em folha”.

Quanto ao carro que ele dirige, é uma lata velha da qual ele não abre mão. É possível saber que meu tio vem chegando de carro a uns quinhentos metros, porque o motor daquela velharia solta cada papoco que é de pensar que é um tiroteio. Um carro popular não é nem quinze mil reais, mas meu tio é tão apegado ao dinheiro dele que, se lhe oferecessem um veículo por um real, ele ainda pedia desconto.

Além disso, meu tio tem outros hábitos deploráveis.

Uma vez fui lavar as mãos no lavabo da casa dele e percebi que o sabonete era todo coloridinho. Achei engraçado, mas quando fui examinar, vi que eram vários restos de sabonetes grudados uns nos outros. Senti repulsa. Lavei minha mão só com água mesmo. Sabe lá onde aqueles sabonetes tinham andado?

No banheiro dele tem um balde. Quando uma visita vai tomar banho, ele grita do lado de fora do banheiro: “tome banho em cima do balde e use a água para a descarga!” Diz ele que era por que a descarga estava defeituosa, mas a verdade era que ele era muito sovina e queria reaproveitar a água.

Mas o auge foi mesmo no Natal do ano passado. Ele convidou todo mundo para a ceia de Natal na casa dele. No convite, ele disse que cada convidado trouxesse um prato feito e talheres e um rolo de papel higiênico. Disse que era por educação, porque com a fartura de comida que esperava ter, muito provavelmente o banheiro seria usado com frequência. E dado que os mercados perto de sua casa não tinham mais papel, era bom levar.

Depois da festa, o filho da mãe estocou papel para durar um ano.

É por essas e outras que não gosto do meu tio, mas tenho de admitir – a estratégia dele parece dar certo. Minha mãe só tem uma casa e olhe lá. Meu tio? Quarenta casas, e ainda empresta dinheiro a juros.

Oct 16, 202339:16
Episode 235: Talking about some betting games

Episode 235: Talking about some betting games

For lessons, please go to https://portuguesewitheli.com

De vez em quando o pessoal aparece com umas modas que, vou te contar, viu? Recentemente me disseram que eu tinha ludomania. Ludomania?

Aí me explicaram: é vício em jogo. Viciado, eu?

Toda sexta-feira, depois do expediente, a gente juntava a turma toda para tomar umas e jogar uma partidinha de jogos de baralho. Tinha aposta, mas não era nada de fazer cair o queixo. No máximo, todo mundo contribuía com uns trocados para o bolo, e ninguém era obrigado a apostar. Como era um pouquinho competitivo, sempre apostava.

Quando ganhava, era uma alegria só. E eu ganhava muito porque sabia blefar e fazer cara de paisagem. Com frequência, conseguia virar o jogo. Ganhei tanta confiança no meu jogo que podia cantar vitória antes do tempo e não me preocupar.

Aí o pessoal foi saindo da nossa mesa, porque diziam: ah, o Arnaldo não sabe jogar.

Quem não sabia jogar eram eles.

Eles temiam jogar comigo porque sabiam que eu era profissa, tá ligado?

Até que chegou uma nova funcionária na nossa mesa – a Carla. Carla tinha começado com as cartelas de bingo e jogo do bicho. Mas virou mestra em pôquer. Fiquei encafifado... como era possível uma mulher ser tão boa jogadora? Eu a desafiei para uma partida de buraco e ela disse que não jogava jogo de criança. Que tal um amistoso de pôquer?

Aceitei, mas perdi. Não entendia de pôquer e estava passando por uma maré de azar. Mas não ia deixar barato.

Comprei cursos, livros, tudo o que tinha a ver com jogos de azar... até paguei um coach para me ajudar a aprimorar minha jogatina. Quando senti que tinha atingido o nível que almejava, decidi desafiá-la para uma revanche.

Coloquei todas as minhas fichas naquela partida: apostei o meu salário do mês. A Carla não titubeou. Ela aceitou a proposta no ato.

Todo mundo da empresa apareceu. 

Começamos a jogar. Até que no final, percebi que a vitória estava no papo. Era impossível perder. Dava para ver nos olhos dela que ela estava desesperada. Eu estava preparado para bater com o Straight Flush, mas no final, sofri um revés: ela apareceu com um Royal flush. Fui derrotado. Todo mundo na mesa vibrou com a vitória da Carla. Eu fiquei com a cara no chão. Agora tinha perdido meu salário. Comecei a chorar.

A sorte foi que a Carla levou tudo na boa. Ela disse que não precisava do meu salário. Só queria me mostrar que eu devia me controlar e não ser tão viciado. Disse que eu tinha ludomania.

Eu, viciado em jogo? Imagina! Eu sempre soube a hora de parar.

Sep 22, 202348:35
Episode 234: Talking about Products You Buy

Episode 234: Talking about Products You Buy

For the assessment, please follow this link: https://portuguesewitheli.com/assessment

Tem gente que nutre um saudosismo exagerado pelo passado... e eu sou uma dessas pessoas.

Sabe, antigamente eu adorava fazer compras pelo telefone. Tinha um canal na televisão que passava televendas de madrugada. E como eu passava noites e noites e sem pregar o olho, acabava assistindo aquela maravilha. Via tantas bugigangas que prometiam mundos e fundos e ficava encantado. Eu precisava daquilo tudo.

Lembro que uma vez comprei um espremedor de frutas elétrico. Chegou numa caixa enorme. Era um trambolho deste tamanho que prometia fazer um suco em menos de dez segundos. E, de fato, em menos de dez segundos tinha suco pela casa toda. Ele espirrava suco para todo lado e fazia uma barulheira infernal. Tremia como se estivesse possesso e, apesar de não parecer quebradiço, se desfez todo na primeira vez que se espatifou no chão.

Depois foi a vez de um aspirador de pó. Quando desliguei o telefone, fiquei tão orgulhoso – era o primeiro vizinho que abandonava aquelas vassouras antiquadas por um aspirador. Na primeira vez que fui aspirar, não consegui controlar bem a mangueira e acabei batendo no vaso da sala. O vaso caiu no chão e se estilhaçou todo. Eu fiquei desesperado – o vaso tinha sido da minha avó – e, no embalo, acabei pisando num caco, furando meu pé, caindo no chão e me estropiando todo.

Depois do primeiro uso, porém, o aspirador funcionou que foi uma beleza e só queimou porque houve um curto-circuito. Mas era top de linha. Pena que nunca encontrei outro no mercado...

Hoje em dia, porém, não tem mais graça. Antigamente eu sentia a emoção de tirar o telefone do gancho, ouvir o sinal de chamada, discar o número, esperar o atendente do outro lado e ficar “oi, alô, tá me ouvindo? Pode repetir, por gentileza?” e, dias depois, às vezes semanas, receber o produto em casa. Tudo bem que eu acumulei muita tralha assim, tudo caía aos pedaços depois do primeiro mês de uso, mas era divertido. Podiam ser produtos vagabundos, mas tinham personalidade.

Hoje, então? Liga-se o computador, insere-se os dados do cartão e clica-se em “confirmar”. Pronto. No outro dia, o produto chega na sua casa. Se ele tiver com algum defeito, a empresa não demora nem um dia para ressarcir o dinheiro. A publicidade hoje não é mais enganosa como antigamente.

Sep 02, 202346:28
Episode 233: How Hot the Weather Is!

Episode 233: How Hot the Weather Is!

To know what your level is, please go to https://portuguesewitheli.com/assessment

Me mudei para essa cidade porque não gostava do clima da minha terra natal. Era muito fria e desolada e na época do inverno ficava feia de dar dó. Me diziam que eu é que era friorento, mas nunca concordei com essa afirmação.

Na cidade nova, ah, aqui era exatamente do jeito que pedi a Deus. Uma temperatura moderada, com sol o ano todo, o vento soprando para abrandar o calor que porventura aumentasse... e o melhor é que, como não precisava de calefação, ainda economizava uma dinheirama. Joguei pulôveres, suéteres e casacos todos fora.

E fiz bem, mas não esperava o que ia acontecer em apenas uma década.

Primeiro foram os dias sem vento. O calor só era suportável porque o vento amenizava o calorão do dia a dia. Sem a ventania perene, o dia ficava uma brasa. Eu comecei a suar mais e, por consequência, usar menos roupa, até o ponto de não conseguir mais usar uma camisa dentro de casa.

Depois as chuvas atípicas. Era só um chuvisco que caía no meio da tarde. Depois o céu abria e pronto: o mormaço subia e a quentura ficava daquele jeito o dia todo. Era sufocante.

Sair quando o sol estava a pino era uma sentença de morte. O sol esquentava os miolos e a pessoa tinha uma insolação se não saísse logo da rua e fosse para a sombra. E ainda assim era difícil!

Agora, toda vantagem que ganhei vindo para cá se foi. Não sei se por conta do aquecimento global ou se castigo divino, mas agora estou sempre cheio de brotoejas, fico suado feito porco, comprei um ar-condicionado e não vivo sem meu leque para me abanar por aí.

Aug 17, 202338:51
Episode 232: A Love Poem

Episode 232: A Love Poem

If you’d like to join us in the conversation club, please visit: https://portuguesewitheli.com/cah for more information.

And here is the monologue for your benefit.

Ah, a poesia, o romance e o amor são coisas boas, não são? Para mim, sim, são, e mesmo com os contratempos e os percalços de que vou falar, ainda sou um amante perdidamente apaixonado e sempre vou ser.

No mês passado, vi que contrataram uma nova menina para o departamento de vendas. Seu nome? Era um nome angelical: ela se chamava Muriel – adorava o efeito avassalador daquele nomezinho diminuto na minha cabeça, o suave redondo dos lábios abrindo-se para dar vez a um toque nos dentes com a ponta da língua, indo findar-se num biquinho mais lindo com o “éu”. Mu-ri-el.

Ai, ai, estou pronto para fazer juras de amor por aquela musa que me deixou caidinho por ela. Vê-la passar de manhã com seu rostinho inchado de sono para o departamento de vendas, apanhar o telefone com um desgosto incomensurável, falar com aquela voz anasalada que amolaria mesmo a mais paciente das fonoaudiólogas... tudo é tão bonitinho que meu coração mole não aguenta vê-la sofrer nesta empresa.

Mas o que posso fazer? Já não é mais de bom tom fazer uma serenata diante da janela, e abrir meu coração para ela nesta empresa, neste ambiente? Não assim, na cara dura. Iam dizer que eu estava botando as garrinhas de fora, e a última coisa que quero agora é chamar atenção para mim – preciso desse emprego.

Então, qual seria a solução?

Ora, eu tenho alguns poemas inacabados que poderia aproveitar. E foi exatamente isso que fiz.

Não eram poemas do tipo “batatinha quando nasce” nem “ó, meu amor”. Eram menos chinfrins que isso. Ouso dizer que eram até bons – não no nível de um Vinícius de Moraes, mas quase. Os meus não são tão açucarados quanto os dele, apesar de serem meigos... meigos como a Muriel.

Bom, mesmo todo poeta que anda nas nuvens tem que colocar os pés no chão de vez em quando. Fiz isso. Como sabia que ela se chamava Muriel e era do departamento de vendas, sabia que ela tinha um e-mail. Fui caçar no diretório da empresa e não deu outra: achei o que queria. Enviei um e-mail para ela com meu poema. Meu poema não dizia nesses termos ignóbeis, mas caso ela estivesse disposta a travar uma amizade colorida comigo, eu estaria dentro. Prepararia nosso ninho de amor e a chamaria de “amoreco” pelo resto da vida.

Como era tímida, a minha querida Muriel! Ficou uma semana sem responder. E pensei: nossa, que tímida. Acho que é hora de uma abordagem mais direta.

E quando cheguei nela e lhe perguntei do e-mail que lhe tinha enviado, ela me olhou confusa: que e-mail? E eu desembuchei tudo. Ela começou a rir e gritou: “ô, Muriel, aqui está o seu admirador.” Um rapaz se levantou e disse: “Oi, tudo bem? Eu sou o Muriel do faturamento. Seus poemas até são bonitinhos, mas já sou comprometido. Fica para uma outra, tá?”

Desde então, continuo um verdadeiro apaixonado, mas fico sempre na minha.

Jul 30, 202350:55
Episode 231: Saying Sorry and Being Foul-mouthed

Episode 231: Saying Sorry and Being Foul-mouthed

If you’d like to join us in the conversation club, please visit: https://portuguesewitheli.com/cah for more information.

And here is the monologue for your benefit.

Dizem que peixe morre pela boca e eu acho que é verdade, sabe?

Quando era criança, minha mãe me ensinou da pior maneira que a gente paga pela língua. Se a gente comete um errinho bobo de chamar alguém de algum nome feio, ora, ora, a punição vem na hora. E sofri muito porque infelizmente sou muito desbocado. Não adianta eu querer me segurar – quando vou dar fé, já disse besteira.

Por isso, aprendi que, quando faço alguma cagada, tenho que assumir a culpa e pedir desculpas. A pior parte é que sempre arco com as consequências, e nem sempre elas são as melhores.

Uma vez eu estava no barzinho com os meus amigos. Na hora de ir embora, o garçom trouxe a conta. A gente tinha combinado de rachar a conta, mas, mesmo dividindo por igual, estava dando um valor exorbitante para cada um. Meus amigos ficaram meio sem jeito, e sem querer escapuliu da minha boca: “Eita, por esse preço, eu queria pelo menos um b****te.” Se arrependimento matasse... o garçom ficou todo errado e eu me desmanchei em desculpas. Claro, tinha sido só uma brincadeira, mas por causa do meu palavreado chulo, todo mundo ficou constrangido. “Foi mal aí, patrão. É que eu estou um pouquinho embriagado, mas juro que de novo não acontece.”

Na outra, num jantar de família, entre vinhos e carnes, minha tia perguntou se eu não ia me casar um dia. Com a idade que eu estava, logo ninguém ia mais me querer. Que velha abusada! Não disse para ela que eu tinha uma namorada. Podia ter dito? Podia. Mas não disse. Na verdade, devolvi na mesma moeda. “E com que idade é que a senhora vai tomar vergonha na cara? Se continuar morando na casa dos meus avós, vão pensar que a senhora é uma vagabunda.” Foi um alarido grande. Minha mãe deu um grito comigo, meus avós deram uma gargalhada, o cachorro latiu, o gato correu e eu pensei: “só falei verdades”, mas uma parte de mim sabia que tinha sido errado. Por isso, eu disse: “Tá, tá, tudo bem, retiro o que eu disse. Desculpe, tia. Foi idiota e impensado da minha parte.” Ainda bem que minha tia deixou para lá. Se ela tivesse feito briga, a gente tinha perdido aquele excelente churrasco.

Depois dessas mancadas, resolvi procurar um psicólogo. Nunca tinha pensado por esse lado, mas talvez eu tivesse algum transtorno e não conseguisse me controlar...

Jul 21, 202344:02
Episode 230: The Seventh-Year Crisis

Episode 230: The Seventh-Year Crisis

If you’d like to join us in the conversation club, please visit: https://portuguesewitheli.com/cah for more information.

And here is the monologue for your benefit.

Minha esposa sempre adorou umas DRs, mas eu fugia disso como o diabo foge da cruz. Sei que a gente tem que discutir a relação de vez em quando para colocar os pingos nos “i”s e passar tudo a limpo, mas eu nunca fui muito de filosofar. Prefiro vivenciar: depois, se eu tiver algo a dizer, digo.

Mas minha esposa, não. Com ela, tudo tem que ser minuciosamente analisado. E agora que a gente está dobrando a esquina dos sete anos, ela deu para ficar muito mais ressabiada. Acontece uma coisinha de nada e ela já quer se sentar à mesa, colocar nossas questões em pratos limpos e, se eu dou um passo em falso, ela vai logo ameaçando terminar o relacionamento.

Bom, nunca fui o cara mais romântico, mas tentei dar um jeito nisso. Comecei a mandar flores para minha esposa. Comprei o chocolate predileto dela. Até fui deixar o café na bandeja para ela na cama.

Ela ficou logo de orelha em pé.

“Tá tendo caso?” foi a pergunta dela. “Porque homem para agir assim só quando tem outra.”

Eu fiquei pensando: nossa, ela achava que eu podia ser infiel, mas ela era quem tinha fama de namoradeira. Além do mais, sempre fui da opinião de que se for para ter adultério num casamento, melhor é se separar logo. Não vale a pena o desgaste.

Depois daquele balde de água fria, pensei que podia fazer algo para reacender a paixão de nossa relação. Quando conheci minha esposa, ela era fogosa e eu não ficava atrás. E uma coisa que a gente tinha era a espontaneidade. Daí, resolvi ser espontâneo e dei um presente para ela em junho, para comemorar o Dia dos Namorados. Sabe o que ela me disse? “Está vendo? Você nunca ligou mesmo para nossa vida conjugal. Nosso aniversário de casamento é só mês que vem!” Não adiantou eu tentar explicar que era presente de Dia dos Namorados. Ela me deixou falando com as paredes.

Viu só? Eu tentando aqui fazer média com a patroa e a desgraçada ainda vem com desconfiança para cima de mim. Quer saber de uma coisa? Acho que essa tal crise dos sete anos é verdade mesmo. Antes a gente não estava em crise, mas agora a gente está.

Jul 19, 202340:19
Episode 229: Rearranging Things in the Living Room (and other places)

Episode 229: Rearranging Things in the Living Room (and other places)

Para participar do Clube de Conversação, visite https://portuguesewitheli.com/cah 

And here is the monologue for your benefit:

Não sou muito de fazer pouco das crenças dos outros. Com essa vida difícil que a gente leva, tem mais é que fazer o que dá na telha. Daqui a pouco a gente já era e o que é que sobrou? Ninguém leva nada para o caixão, não é verdade?

Não sou de fazer pouco caso do que os outros acreditam, mas... tem coisa que passa dos limites.

A faxineira que trabalha na minha casa, a Elisângela, sempre foi muito trabalhadeira e incansável, mas, de uns tempos para cá, anda se metendo com uns negócios enigmáticos... Feng Shui do Chapéu Preto ou coisa assim. Ela me falou que agora daria uma repaginada na configuração da minha casa. Segundo seus novos estudos, o fluxo de energia estava totalmente em desacordo. Por isso que na minha vida tudo ia de mal a pior (olha a insolência! Só não falo nada porque considero ela pacas).

Ela resolveu começar pelo meu quarto. Queria revitalizar a ordem diante do caos que reinava ali — não era um caos, era uma bagunça calculada, porque eu sabia onde estava tudo. Ela disse que a cama estava tampando o fluxo de energia e colocou ela na frente do guarda-roupa, formando uma barricada, supostamente liberando o fluxo. Agora, para pegar minhas coisas na parte de cima do guarda-roupa, precisava trepar na janela se não quisesse subir na cama.

Depois, quem entrou na dança foi a sala de estar. Ela teve a ideia de redecorar o ambiente e moveu o rack da TV para trás do sofá, e o sofá ficou encarando a parede. A mesinha de centro, outrora o charme da sala, foi para o canto, e o aparador que abrigava as bebidas foi parar na cozinha. A mesa lateral, onde ficava o abajur, foi retirada – ela “chamava coisa ruim” – e no lugar ela colocou uma banqueta que dizia ser um amuleto. O abajur foi para o corredor, e ela mandou eu comprar uns pufes para “equilibrar” o chi da sala. A poltrona também vazou – não sei o que ela fez com esse móvel, mas no lugar onde a poltrona ficava, ela pôs uma cadeira capenga que precisa de um calço para não ficar bamba.

E sabe o que ela ainda me fez? Posicionou a espreguiçadeira da varanda na cozinha, perto da geladeira, porque ia ser melhor para mim. A cozinha nem era tão espaçosa e ainda era abafada. Eu perguntei: “Elisângela, e eu vou ficar olhando para a geladeira quando quiser descansar? Que ideia mais descabida!” Ao que ela me retorquiu: “Se eu tivesse uma geladeira em casa, ia querer ficar olhando pra ela o dia todo.”

E foi nesse momento que entendi aquele fuzuê todo e decidi dar um aumento para a Elisângela.

Jun 22, 202347:39
Episode 228: Washing Clothes

Episode 228: Washing Clothes

Para participar do Clube de Conversação, visite https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit:

O Pablo sempre morou com a mãe e ela idolatrava aquele cara. Fazia tudo para ele: levava a comidinha onde ele estivesse, entrava no quarto dele para procurar roupa encardida e manchada para lavar, passava a roupa e ainda fazia a manutenção do ferro de passar... aquela mulher era uma santa. Imagina que até mesmo as cuecas freadas que o desgraçado atirava no chão depois de voltar do futebol ela lavava. Nem para colocar as roupas no cesto...

Até que um dia a mãe do Pablo deu a volta por cima. Ela se casou de novo, dessa vez com um viúvo tarimbado que sentiu o cheiro de vagabundagem de longe. Pablo ficou atormentado. Arranjou treta com o padrasto e, coagida a escolher, a mãe resolveu expulsar o filho: afinal, ele tinha trinta anos, ela setenta: ela estava mais perto de bater as botas do que ele e tinha que aproveitar o tempo que lhe restava.

Pablo teve de se virar sozinho. E não deu muito certo.

Veja só. Todo mundo sabe que, para a roupa ficar cheirosa e macia, tem que usar amaciante. Antes de colocar a roupa na máquina de lavar, tem que separar a roupa colorida da branca. E para tirar mancha pesada de roupa branca, o alvejante é o melhor aliado... Tem gente que usa água sanitária no lugar – o que, na minha concepção, é arriscado, porque se uma gotinha disso cair numa roupa colorida, ela desbota e você perde a peça.

Na primeira lavagem, o que é que o Pablo faz?

Despeja meio litro de “Qboa” numa trouxa de roupa e ainda mete sabão em pó. Resultado: ficou parecendo roupa de circo; camisa branca ficou rosa, camisa rosa ficou branca e foi uma calamidade.

Também tem roupa que tem que lavar à mão, e roupa que não pode secar ao sol. Uma vez entrei na área de serviço da casa do Pablo e não vi secadora, então ia ter que usar o varal mesmo. No dia que estive lá, as roupas estavam no varal, mas nenhuma tinha prendedor. Resultado: bateu um vento, derrubou tudo no chão de terra e precisou lavar de novo.

Por fim, Pablo resolveu comprar uma secadora para não ter esse problema. Como queria usar as roupas logo (tinha uma festa), aumentou a temperatura o quanto pôde e pimba! As camisetas encolheram e viraram baby-look!

Agora que a tragédia estava feita, Pablo resolveu entregar os pontos: procurou uma lavadeira na vizinhança e lhe pagou uma nota preta. Se não podia ter uma mãe de graça, pagaria pelo privilégio.

Jun 16, 202354:16
Quick Announcement about Podcast Schedule

Quick Announcement about Podcast Schedule

We're back to our regular weekly schedule!

Jun 16, 202302:56
Cultural Portuguese 001: São João

Cultural Portuguese 001: São João

Eu te dou as boas-vindas a nossa nova série contínua de episódios chamada Português Cultural. Em cada episódio nós discutimos aspectos culturais diferentes do Brasil e de outros países de fala portuguesa.

Para saber mais sobre o nosso programa de educação continuada, clique no link a seguir: https://portuguesewitheli.com/plg Com ele, você tem acesso às transcrições completas dos episódios de Português Cultural e de outros episódios do nosso podcast.

No nosso episódio de hoje, falamos sobre o São João. Essa festa típica do Brasil, especialmente do nordeste brasileiro, está para acontecer já no mês de junho. Se prepare!

As citações mencionadas no texto são de Sola no Mundo:

https://solanomundo.com.br/a-fogueira-em-yaathe/

“A fogueira são os homens, as mulheres, as crianças e os anciões. Somos toda a base de um só elemento que transmite uma força para toda a aldeia. Os índios mais velhos têm mais conhecimento, mas precisam dos índios mais novos, para realizar as coisas. Somos todos, a nosso modo, uma força só.”

“A madeira são os homens, que dão estrutura à aldeia. As mulheres são o fogo, que se unem a eles. Já as cinzas, são anciões, que não precisam fazer nada, mas tem a função vital de manter a chama acesa. Ah, e essa fumaça, que incomoda seus olhos…é ela que leva todos os pensamentos dos que fazem parte dessa roda para o grande espírito.”

As músicas das vinhetas foram retiradas do YouTube e são tradicionais no Brasil. Se for o detentor dos direitos autorais, por favor, entre em contato caso queira que eu as retire.

May 21, 202330:38
Episode 221: A Husband Goes Shopping

Episode 221: A Husband Goes Shopping

To join the conversation club, please go to https://portuguesewitheli.com/cah

Talvez eu não seja o melhor dos maridos, mas tampouco sou um dos piores. Não que eu seja essas mil maravilhas – sei dos meus defeitos e tento saná-los, mas tem vez que é difícil arrancar o mal pela raiz.

Veja só a minha relação com minha esposa.

Ela acredita numa coisa chamada “terapia de varejo”. Confesso para você que para mim esse termo é inédito; é que eu sou das antigas e essas coisas modernas de gente jovem sempre me escapam. Mas, voltando ao assunto, essa “terapia de varejo” nada mais é que aquela extravagância de ir a uma butique, encher o sacolão de roupas sem nem ir ao provador e depois passar tudo no cartão.

Eu bem que aceitaria esse desbarato – com essa vida de cão que a gente leva, a gente tem que fazer como disse a Marta Suplicy –, mas é que a gente já está numa situação ruça. Mais um pouquinho e a gente fica no fundo do poço. Minha esposa reclama, diz que eu estou “cerceando” a liberdade dela usar o dinheiro da casa. Concordo, mas o pior cego é aquele que não quer ver.

Bom, depois da última, porém, vi que ela ficou combalida e resolvi ver a questão pelo lado dela. Talvez houvesse alguma coisa que eu não entendesse muito bem. Quem sabe eu até visse alguma graça na caça ao tesouro nas vitrines das lojas do shopping? Fui lá, com um daqueles sacolões que minha esposa leva para as compras e, em vez de me deixar ser acossado por um vendedor, fui lá e acossei o primeiro que vi, em busca de dicas para escolher uma roupa que me caísse bem. O vendedor parecia apreensivo – não é todo dia que aparecia um homem de meia-idade, careca e bigodudo tão ávido por fazer compras –, mas mesmo assim me ajudou a escolher as roupas dos cabides e a experimentá-las. No final de um dia longo de compras, me dei conta da euforia que era comprar vestuário.

E desde então, minha esposa é quem tem que me segurar, senão vou à loja e compro tudo.

Apr 27, 202351:01
Episode 220: A Strike

Episode 220: A Strike

If you'd like to know more about the Conversation Club After Hours, please follow this link: https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit:

Está rolando um burburinho de que vão deflagrar greve na semana que vem aqui na empresa. Olha, trabalho aqui faz dez anos e acho que é a primeira vez que vejo tanto empregado descontente. As queixas são diversas, mas a maioria é sobre a capataziaos capatazes aqui têm parte com o coisa ruim, porque eles não estão para brincadeira. Se eles forçam mais um pouquinho, o negócio vira tortura. O grupo ligado ao sindicato fez reivindicações de salários e melhores condições de trabalho, mas a chefia fez vista grossa e os donos estão pagando para ver.

Bom, eu não sei se vou aderir ao movimento. Sei que seria muito bom cruzar os braços e fingir que ia para a assembleia para decidir os rumos da paralisação, mas, sinceramente, acho que vou permanecer no contingente que fica obrigado a continuar trabalhando. Os meus chefes não iam ser loucos de me constranger, não com o sindicato fungando no cangote deles, mas mesmo assim não me sinto bem nessa de pressionar os patrões. Bom, eles não merecem minha compaixão, mas acho que a maneira como os grevistas querem protestar...

Agora estão chamando o movimento de “greve criativa”: vão fazer dança na rua, performances teatrais, saraus literários e o escambau. Ainda nesse embalo, pretendem até fazer danças coreografadas... vê se pode! Eu não vou me aporrinhar com uma greve assim... na minha época, os piquetes vinham armados e mandavam tudo parar. Hoje vão fazer festinha e dançar ciranda. Ah, me poupe, viu?

Apr 20, 202346:47
Episode 219: Talking about a Talented Person

Episode 219: Talking about a Talented Person

To know more about the Conversation Club, visit https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit:

Minha filha é muito talentosa. Claro que ela não chega nem aos meus pés quando eu tinha a idade dela, mas o instinto musical que ela tem vai transformá-la numa craque no futuro.

E sabe... na escolinha dela agora eles vão ter um show de calouros. É a situação perfeita para mostrar ao mundo que minha Marinazinha tem o dom do canto, que se diferencia e muito daquele monte de fedelho medíocre que não leva jeito para nada. E minha filha é habilidosa também com os pés: sapateia com tanta aptidão que até impressiona. Claro, não está nem à altura do que eu podia fazer quando não tinha artrite, mas ainda sou muito viva.

Pensei que ninguém naquela escola desse nem para começo de conversa – o que não é nenhum demérito, já que minha filha tem traquejo com várias coisas. Mas disseram que a filha da Doralice, uma tal de Luísa, sabe dançar... e ainda conhece os jurados todos.

Aí agora minha filha não quer competir. Ela diz que perdeu a graça, porque a Luísa vai ganhar de lavada e ainda vai dar um show daqueles. Imagina só, minha filha, aquela menina bisonha ganhar de você. Ela podia ter os jurados todos do lado dela, porque a plateia vai estar sempre com você. Mas, já que pintou a dúvida, vamos fazer umas aulinhas, só para você se capacitar e tirar essa de letra.

E aproveitando eu vou falar com minha prima que sabe fazer mandinga e mandar ela jogar uma urucubaca nessa tal de Luísa.

Só para garantir.

Apr 13, 202343:54
Episode 218: Dangerous Driving

Episode 218: Dangerous Driving

If you'd like to know more about the Conversation Club After Hours, please follow this link: https://portuguesewitheli.com/cah

And here is the monologue for your benefit:

Nunca aprendi a dirigir... e legalmente sou impedido de dirigir porque sou daltônico. Por isso, acabo tendo de me confiar nos dois motoristas da minha casa quando tenho que tratar de algo urgente, que requer mais cuidado.

E hoje tenho algo que precisa de minha atenção.

O primeiro dos meus choferes é meu pai. Ele é adepto da direção defensiva, mas acho que ele sobrestima esse aspecto: meu pai dirige com uma vagareza que, mais de uma vez, já teve de ouvir uns impropérios na rodovia, porque estava indo a passo de tartaruga. E ai de quem reclamasse: escutava logo um “devagar se vai ao longe” e depois um grunhido de raiva.

A segunda chofer é minha mãe. Mamãe nunca foi de ir com calma: com ela, o ritmo é alucinante. Ela tem um pé de chumbo e ainda é superagressiva no trânsito. Se um carro está indo devagar demais mais adiante, ela buzina feito doida e força a ultrapassagem. Na hora de fazer um retorno, ela pisa fundo e faz o pneu cantar. Se ela sabe que existe uma rota alternativa para chegar a qualquer lugar, minha mãe não se importa de fazer barbeiragem – mesmo que arregace o carro todinho, ela dá um cavalo de pau e corta caminho. Quando alguém reclama, dizendo que mamãe é muito imprudente, ela só diz: “é hora de apertar os cintos, seu molenga!” E dá uma de Ayrton Senna.

Ah, e se eu disser que estou apavorado e quero descer, ela freia bruscamente e me expulsa do carro: se eu quiser, que eu vá de ônibus.

Bom, dado que o compromisso de hoje é urgente... mas que vou sair ganhando se eu chegar vivo... acho que vou com meu pai mesmo.

Afinal, de grão em grão, a galinha enche o papo.

Apr 06, 202343:15
Episode 217: Talking (a little) about Dancing

Episode 217: Talking (a little) about Dancing

Join us for our next conversation! Check details at https://portuguesewitheli.com/cah.

And here is the monologue for your benefit (important terms are between asterisks, as Spotify changed the way it "reads" HTML:

O amor pode não mover montanhas de fato, mas ele faz a gente se meter em cada uma...

Veja só. Hoje tenho quarenta e cinco anos. Nunca tive muita *destreza* nem *graça* nos meus movimentos. Até tentei *enveredar* pelo futebol quando criança, mas meus coleguinhas logo perceberam que eu era *perna de pau* e me *enxotaram* do time. Sabiam que meu talento mesmo era para os livros e para a leitura e eu virei *rato* de biblioteca por vocação e falta de opção.

*Como era de se esperar*, fui crescendo e ficando *troncho* e *estabanado*. Nunca segurei bebê por medo de derrubar a criança no chão. A única *cadeira* que já mexi na vida foi a cadeira do meu escritório, porque meus quadris são inflexíveis *que é uma beleza*. E se eu *requebrar* “até o chão”, fico *acamado* por uma semana.

Mas outro dia, no caminho do trabalho, vi uma mulher dançando na rua. Era um desses showzinhos que o pessoal organiza nas praças, coisa informal mesmo, só para ganhar uns *trocados* e fazer os *transeuntes* baterem palmas ao ritmo da dança.

Ela era uma verdadeira *pé de valsa*. *Rodopiava* e *dava piruetas*, pulando para o lado e para o outro, como se a praça fosse *uma pista de dança*. As pessoas a acompanhavam, *sacudindo o esqueleto*, filmando tudo com celulares e *ovacionando* a dançarina ao fim da dança.

Quando ela terminou, veio andando com aquele *gingado* para cima de mim e me tirou para dançar. Meu Deus, fui ao céu e voltei, mas foi por dois motivos: primeiro, tive *uma tontura* por causa de tanta emoção. Meu coração batia *descompassado* de tanta alegria. Mas, por outro lado, como eu era *travado*, magro que parecia *um varapau*, não conseguia balançar muito. Ela disse: “*se solta*, meu querido!” e eu, todo *destreinado*, me soltei o quanto pude... fiquei parecendo *uma marionete*, mas consegui seguir a dança até o final.

As pessoas ao redor foram simpáticas e bateram palmas para a gente. Eu não bateria...

Depois da dança, ela me passou o número do telefone dela e me convidou para voltar ali e dançar. E agora estou eu aqui, na sala de espera de uma escola de dança, para me matricular. Eu, que nunca dancei na vida! Se amor não move montanhas, ele faz ao menos um rato de biblioteca como eu começar a se mexer.


Mar 31, 202341:43
Episode 216: Describing Someone's Face

Episode 216: Describing Someone's Face

If you'd like to grab one free learning guide, please go to https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit.

Minha namorada e eu queríamos apimentar a relação. Afinal, a gente caiu um pouco na mesmice depois de namorar quase dez anos. Por isso, concordamos que tentaríamos surpreender um ao outro. Semana passada ela chegou em casa toda serelepe e me mandou vendar os olhos, porque ia me levar para um lugar especial.

Entrei no embalo e lá fomos nós. Saímos de carro. Hum, será que ela ia me levar a um motel do bom? Já fiquei logo empolgado. Estava preparado para uma surpresa daquelas, menos a que vi quando tirei a venda dos olhos:

Estávamos no calçadão da praia, na frente de um monte de retrato feito à mão. Um senhor baixinho estava de lápis e papel na mão.

— Vamos fazer nosso retrato! — ela disse com a maior empolgação enquanto eu sorria amarelo.

O moço pediu que a gente sentasse ali enquanto ele desenhava. A Clara ia na frente; eu ficava esperando. Quis ficar olhando o homem desenhar, mas ele disse que não podia. Tudo bem.

O desenho não ia ser difícil. A Clara tinha um rosto bonito, mas simples. O rosto dela era ovalado, um pouco pontudo no queixo, mas proporcional. Os olhos eram um pouquinho apertados e separados também. Engraçado, eu nunca tinha reparado em como os olhos dela eram castanhos! O nariz arrebitado e o maxilar levemente pronunciado combinavam com as bochechas rosadas que ela tinha. Tinha também lábios carnudos e dentes alinhados.

Eu realmente tinha sorte.

Quando chegou a minha vez, fiquei pensando: como eu ia ficar no retrato? Sei que tenho um nariz adunco e minhas narinas são um pouco grandes demais... também tenho umas entradas aqui – sinal de calvície incipiente – e meu queixo é pontudo. Mas não sou horrendo feio assim, né? Meus olhos puxados dão um charme enigmático e minhas sobrancelhas finas não ressaem no rosto... meu cabelo, o pouco que tenho, emoldura meu rosto direitinho. Só tenho algumas espinhas e, por conta desses anos dentro de casa, acabei ficando cheinho e ganhando papada, mas nada que assuste ninguém.

E finalmente o retratista acabou o meu retrato.

— Eu quero ver o meu!

O retratista fez que não com a cabeça — tinha que pagar primeiro. É como dizem: dinheiro na mão, calcinha no chão. Justo. Não é como se ele quisesse nos depenar: o trabalho já estava feito. Pagamos e, na hora de ver, meu Deus...

Minha namorada ficou uma aberração. Além de ser tudo o contrário do que era, ela ainda ficou com sobrancelhas grossas e peludas, com uma espinha protuberante que a gente nem tinha notado. O rosto dela ficou quadrado.

No meu caso, fora a barba rala que eu tinha no dia, fiquei parecendo uma obra de arte abstrata.

Queríamos brigar com o retratista, mas eu ri tanto que acabei ficando com os retratos. Bom, a surpresa não foi exatamente o que ela queria, mas ficou do jeito que eu gostava.

Episode posted with two weeks' delay --- originally should be aired on March 23


Mar 23, 202352:29
Episode 215: Finding Your Soulmate Online

Episode 215: Finding Your Soulmate Online

Howdy! If you'd like to have a guide for yourself, consider joining us by going to https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit:

Existe um boato de que o amor surge quando menos se espera, mas, no meu caso, ele só vem quando eu menos preciso. Já encontrei toda espécie de gente que você possa imaginar e nada de encontrar minha outra metade da laranja. Por isso, resolvi apelar para tudo que era coisa: mandinga, simpatia e, mais recentemente, tecnologia.

Logo no começo, fiquei empolgado com a quantidade de opções disponíveis. Mas era como encontrar uma agulha no palheiro. Tinha cada perfil... teve uma que dizia vir de outro planeta, outra que fazia retratos de moscas, e ainda mais uma que colecionava unhas. E, mesmo fazendo uma triagem cuidadosa, ainda descascava cada abacaxi... no aplicativo, era possível dizer os critérios que o par ideal devia preencher. Era possível afunilar as escolhas e estreitar as opções, para separar aquelas que prometiam das que eram prescindíveis. Era separar o joio do trigo, por assim dizer.

Levou tempo e queimei muita pestana na frente do celular lendo as mensagens da minha caixa de entrada, até que...

Até que conheci ela – a Juliana. Era uma moça bonita e, em todos os sentidos, normal. Ela realmente mexeu com meu coração. Tinha um sorriso bonito e um jeito afetuoso me afeiçoei a ela assim que trocamos a primeira mensagem. Por isso, quando marcamos o encontro, eu estava com o coração na mão, na esperança de que ela fosse a pessoa que sempre procurei.

Combinamos de nos encontrar em um restaurante, um lugar neutro. Na hora da conversa percebi que tinha sido amor à primeira vista, mas não queria ir com muita sede ao pote – já tinha passado por cada uma e estava vacinado.

Então fomos conversar.

Apesar de ser mais velha que eu, ela gostava das mesmas séries que eu gostava. Apreciávamos os mesmos cantores... a gente até tinha preferência pela mesma pasta de dentes! Finalmente, encontrei a minha alma gêmea...

Mas aí aconteceu um negócio que me deixou cabreiro. Primeiro, ela era adotada – tinha sido deixada numa igreja numa cidadezinha. E minha avó tinha dado uma filha para adoção. E de onde ela era? Era conterrânea de minha avó, lá de Quixeramobim. Não, era coincidência demais para passar assim batido.

Então, para tirar a teima, a gente decidiu fazer um exame de DNA, tipo do programa do Ratinho. Mas não ia ter nenhum fuzuê daquele tipo. Se ela fosse minha tia, cada qual ia seguir o seu caminho. Se ela não fosse minha tia, a gente ia deixar a coisa se desenrolar.

Entre a data do exame e o resultado, porém, Juliana acabou conhecendo outro cara no mesmo aplicativo que a gente estava usando. Fiquei arrasado – não imaginei que ela fosse tão leviana... mas também pudera: conheci ela num aplicativo e fiquei pensando que ela ia esperar sentada até o resultado sair.

O bom é que, pelo menos, ela não era minha tia. Nunca que eu ia querer ter aquela traíra na minha família.

Mar 17, 202301:02:36
Episode 214: Business Plan

Episode 214: Business Plan

To learn more about the Continuing Education Program for the Guides, follow this link: https://portuguesewitheli.com/school

And here is the monologue for your benefit.

Dizem que eu vivia nas nuvens, mas discordo: sempre tive tino para negócio e soube que era um empreendedor nato. Quando criança, vendia minha merendapara comprar brinquedo, e revendia o brinquedo para comprar mais comida, mas sempre acabava ficando sem brinquedo e sem comida.

Na minha adolescência, encabeceium negócio de cuidados com cavalos. Sempre ouvi dizer que quem tinha cavalo era rico, então, com clientes ricos, eu ia arrebentar a boca do balão. Meu faro sempre foi muito aguçado. O problema com esse plano foi que ninguém tinha cavalo no meu bairro. Operei no vermelhopor um bom tempo e, sem clientes, o negócio degringolou.

Então fui me metendo em furadaatrás de furada – abri uma loja de guarda-chuvas em Cabaceiras, minha cidade natal... era a cidade onde menos chovia no Brasil. Pensava: ninguém vai tentar a sorte e vender guarda-chuva aqui, então só vão poder comprar na minha mão. Vou vender pelo preço que quiser.

Mas tinha uma falha no meu plano de negócios. Não levava em consideração que os clientes já podiam ter um guarda-chuva em casa. Meu estoque ficou todo encalhado e tive que vender tudo a preço de banana. É de amargar, viu?

Depois abri uma locadorade patinete elétrico... em Salvador. Eu não contava que aqui tivesse tanta ladeira, então um cliente alugava um patinete hoje, se arrebentava ali na frente e depois vinha chiarno meu ouvido, dizendo que os patinetes eram ruins.

Então, saindo desse ramo de mercadorias, deliberei sobre que caminho tomar, porque queria algo mais certo, para plantar e colher. Resolvi ingressarno mundo da educação. O público-alvo? Empreendedores de primeira viagem. Como eu já tinha feito minha lição de casafali vários negócios – sabia exatamente o que não fazer para ter sucesso. Ou seja, era como se eu tivesse uma bola de cristal. Com certeza, eu ia quebrar a banca. Só precisava de um investidor para abraçaressa ideia.

Coloquei um anúncio na internet. Primeiro não apareceu ninguém. E os meus investimentos em publicidade só me amealhavamdívidas e mais dívidas, e você sabe como é que é com cartão: é uma bola de neve, basta você errar a mão uma vezinha só e lá se foi todo seu dinheiro. Mas não ia desistir. Não tinha fracassado tanto na vida para nadar e morrer na praia.

Quando eu estava quase desistindo, um cara me mandou um email. Tinha se interessado pela ideia. A gente se reuniu e ele me deu as ideias: ele tinha um modelo de negócios diferente. Ele trabalhava numa empresa especializada em falências e queria abrir uma consultoria. E se tem alguém que entende de falências, esse alguém sou eu. Finalmente vou virar o jogo!

Mar 10, 202355:43
Episode 213: No Accounting for Taste in Comics

Episode 213: No Accounting for Taste in Comics

The gesture I talked about is even part of our vocabulary in Brazilian Sign Language! See it here: https://www.youtube.com/watch?v=2MGv7XNheJc

And here is the monologue for your benefit:

Sou novato na empresa e não me meto em negócio de ninguém. Como dizemos lá de onde eu venho, “gente de fora não ronca.” Mas parece que aqui ninguém sabe o que é respeitar a privacidade dos outros e retribuir o respeito – vasculharam minhas gavetas e descobriram minha coleção de gibis que trago para o trabalho.

Primeiro, o Almir, meu chefe, me questionou se eu estava lendo as revistas na surdina e descuidandodo trabalho. Eu refutei, claro. Não ia cometer um desatino desses, ainda mais sendo novato. Ele acreditou – afinal, ele não ia ficar procurando chifre em cabeça de cavalo. E meu trabalho seguia no mesmo passo de antes...

E eu não lia mesmo na hora do trabalho. Lia no intervalo. Mas, é... lia escondido, sim.

Veja só o meu lado. Gosto de ler revistinhas em quadrinhos. Todas essas populares e outras menos conhecidas. As pessoas pensam que adulto que lê revistinha é tudo xucro, que não tem alcance mental para coisas mais sofisticadas, e que a qualidade dessas revistas é sofrível. Na verdade, são obras de arte, mas nem todo mundo consegue atinarque histórias em quadrinhos podem ser tão complexas como aqueles tijolosempoeirados de biblioteca cheios de frases pomposas. O enredo é intrincadoe nem sempre é possível elucidar a trama antes da última página. É um desafio mental.

Porém, nada disso servia de nada, porque, quando meus colegas descobriram, começaram a fazer troça de mim. Ficavam dizendo que era livrinho de “quiança” e depois ficavam fazendo “gugu-dadá”. O primeiro ímpeto foi de dizer cobras e lagartospara eles, mas deixa estar. O que é deles está guardado.

Posso ter pouco tempo aqui, mas já sei os podres de cada um. O José vive se queixando de prisão de ventre, mas não sai do banheiro. Aliás, dava até para pensar que ele trabalhasse no toalete. A Carla finge que trabalha, mas outro dia peguei ela no pulo – estava jogando Candy Crush na outra aba e não conseguiu disfarçarquando passei perto do computador dela. E o Nelson – aquele mão-leve vai montar uma loja de materiais escritório com o tanto de papel e caneta que ele furtadaqui.

Mas não vou gastar saliva à toa. Já dei o recado de que eu sei da mamata que está rolando e que, se o chefe me perguntar, eu não vou me fazer de rogado. Se achavam que eu ia esmorecersó porque eles têm essas ideias preconcebidas sobre minhas revistas, eles cometeram um engano federal. Vou sempre manter aceso o gosto pelos quadrinhos.

Mar 04, 202301:03:06
Episode 212: A Pay Raise that Backfired

Episode 212: A Pay Raise that Backfired

For a free assessment of your current level of Portuguese, go to: https://portuguesewitheli.com/assessment

And here is the monologue for your benefit:

Quando criança, sempre me diziam: Luis fala bonito, vai ser gente na vida. Bom, não acho que tenha virado gente, mas continuei falando bonito. E por isso galgueinovos postos no campo de vendas.

Já trabalhava na mesma empresa havia quatro anos. Estava convicto de que precisava... precisava vírgula, eu merecia uma promoção. Já estava cansado de ser posto de molhoe me comportar como se fosse acanhado, só para cair nas graças da chefia... mas não dava para continuar daquele jeito.

Para conseguir a tão desejada promoção e sair da fossa, precisava mobilizar meus colegas. Se eles vissem como era injusta a minha situação, com certeza se empenhariam em me ajudar. Mas fora um ou outro que ainda acreditava nas histórias da carochinha, não havia ninguém que engolisse os meus argumentos, por mais que eu confiasse no meu taco.

Então tive de partir para cima. Mas, claro, não ia partir para cima do chefe imediatamente. Precisava de algum estratagemapara conseguir comover aquele coração de pedra. Ele era completamente refratário a pressões e nenhuma lisonjachegaria a ele. Então comecei a mexer meus pauzinhos. Falei para um colega língua de trapo que minha família estava em dificuldades financeiras, e sabia que logo a conversa chegava ao chefe... Quando meu chefe soubesse que minha pobre mãezinha estava com as horas contadas, ele ia morder a isca e me dar uma promoção.

Bom, a conversa chegou mesmo, mas o chefe se manteve impassível. Apenas disse que nós tínhamos plano de saúde. Se quisesse, que eu fosse buscar ajudar.

Droga. Tinha que partir para uma abordagem mais direta. Por mais arguto que fosse, não sei se o convenceria, mas não podia ficar em cima do muro, porque arriscava ficar de fora, e sabia que atendia todas as expectativas da empresa. Então fui falar com meu chefe diretamente. E falei grosso.

- Se eu não receber uma promoção, vou sair da empresa.

Meu chefe apenas me olhou incréduloe não parecia nem um pouco açodado em me dar uma promoção. – Então você quer sair de livre e espontânea vontade? Vamos sentir sua falta, mas, se assim for, que assim seja.

E foi assim que perdi meu emprego. Acabei metendo os pés pelas mãos.

Feb 26, 202352:57
Episode 211: Carnaval Love

Episode 211: Carnaval Love

For all the guides currently published, consider joining us in the Continuing Education Program! – https://portuguesewitheli.com/plg

Would you like to help us but don’t want to sign up for a program for now? Consider making a small donation to keep improving the podcast and adding benefits – and, if you’d like a particular guide when donating, just say what episode it is, and it’ll be sent to you! – https://buymeacoffee.com/elisousa

And here is the monologue for your benefit:

Depois de quase três anos sem carnaval, finalmente vou poder cair na folia. É algo que me alegra muito, poder sair, soltar a franga, dançar as marchinhas de carnaval no bloco das Antigas e pular horas a fiocom os trios elétricos. Haja fôlego! Ainda posso assistir ao desfile das escolas de samba – o que é um privilégio – e conhecer gente nova nos camarotes e nas arquibancadas...

Sim, conhecer gente nova é algo que também não faço há um tempão. E esse vai ser o meu primeiro carnaval solteiro, depois de quase quinze anos junto com minha ex, a Leonora. Lembro que, quando ela me deixou, eu fiquei fora de mimo chão me faltou, eu não sabia o que fazer. Quis chorar a noite toda, mas não chorei, porque fiquei aturdido...

Mas chega de lembrar de coisa ruim, não é mesmo? Agora estamos aqui, e mesmo não sendo mais jovem de corpo – já não aguento mais uma noitada como aguentava nos meus anos dourados – ainda sou jovem de espírito. Ainda dou para o gasto. Por isso, no carnaval, decidi que ia pintar e bordar.

Fui a uma festa à fantasia que estavam organizando lá no condomínio. Sou um pouco retraído, mas pensei que era uma boa chance de mudar essa timidez arraigada na minha personalidade. Decidi me vestir de unicórnio. Duvidava que alguém mais tivesse cara de se vestir daquele jeito — nem eu mesmo sei como fiz aquilo, mas fui. E dei sorte.

Conheci uma beldade fantasiada de galinha d’angola. Ela tinha pinta de artista ou coisa assim. Trocamos olhares, puxei conversa e logo estávamos agarradinhos. Depois de uns selinhos, ela pediu licença para ir ao banheiro. Minha nossa. Que mulher! Haja coração! Todo aquele meu amor represadodesde que minha ex tinha me deixado apareceu ali e acho que me apaixonei de imediato. Eu estava preparado para me declarar para ela. Fui procurá-la.

Mas não devia ter ido.

Aquele meu momento fugaz de alegria se tornou uma tristeza só: ela estava dando uns amassos num cara fantasiado de... unicórnio! É, parecia que eu não era o único unicórnio da festa... sai com a cara no chão, me lembrando só que no carnaval vale tudoe que ninguém é de ninguém.

Feb 17, 202354:13
Episode 210: Proverbs to Speak Well or Badly

Episode 210: Proverbs to Speak Well or Badly

If you'd like to support this podcast, you can buy us a coffee :-) https://www.buymeacoffee.com/elisousa All coffees you buy us are going toward improving our podcast and hiring more people to make it easier on Eli, haha, because he teaches a lot of classes as well.

And here is the monologue for your benefit.

Te conto como me contaram, porque depois que cada um seguiu seu caminho, eu não soube mais da Daniela. Então, o que te dou é de tabela, mas minhas fontes gozam de minha inteira confiança.

Pois bem. Daniela era uma guria que morava no meu prédio quando eu era adolescente. Até tentei me aproximar dela, mas ela logo me jogou na cara que não se misturava com gente da minha estirpe. Lembro como se fosse hoje: eu, todo desinteressado, querendo apenas estender a mão a alguém que parecia tão só... não era nada, apenas uma troca de gentilezas, mas aí ela pegou e me deu a real. Ainda tentei argumentar, mas ela foi logo dizendo:

Quando um burro fala, o outro baixa a orelha.

E eu que nem acalentava nenhuma ideia de romance com ela...

Mas isso até que veio em boa hora, porque ser amigo dela ia ter sido ideia de jerico. Daniela não dava ponto sem nó. Ela tinha ficado amiga de Roberta, a menina mais intragável do nosso prédio, porque Roberta era amiga de Juliano, um rapaz que, diziam as más línguas, era Zé Droguinha... mas era filho de um advogado importante. E Daniela tencionavaestudar Direito.

Ela conseguiu agarrar aquele lá e lavou a burra, ou pelo menos de saída. Porque, se um dia aquele homem foi para ela uma tábua de salvação, pouco depois se mostrou uma dor de cabeça sem solução. O pior para ela foi que o sogro não quis apadrinhar ela na profissão, dizendo que ela só estava se escorando no seu filho.

Daniela procurou quem lhe tomasse as dores, mas, depois de ter recusado a amizade de todo mundo que lhe podia oferecer algo de bom, ela estava só. Ninguém queria fazer essa caridade a ela.

Mas isso era o que parecia por fora. Nos bastidores, Daniela tinha maquinado todo um plano — o alvo não era o bobo do marido que só olhava para o próprio umbigo, nem o sogro tonto que se achava um benfeitor e tanto por ter permitido que ela se casasse com o filho. Ela tinha vistas no sócio do sogro, um homem chamado Miguel, que era trinta e cinco anos mais velho que ela e que tinha a fama de ser extremamente abnegado e altruísta para commulheres jovens e bem conservadas.

Pior é que ela nunca nem deu bandeira disso...

Como eu sempre disse, macaco velho não mete a mão em cumbuca. E essa história não é maledicência de quem tem dor de cotovelo não. É só para mostrar que se tem que ter olho vivo e agarrar as oportunidades, porque pensando morreu um burro.

Feb 09, 202301:02:23
Episode 209: Moving House

Episode 209: Moving House

Check your level of Portuguese: https://portuguesewitheli.com/assessment

Here is the monologue for your benefit:

Sempre quis morar numa casa maior, mas minha esposa se opunha, porque era um gasto a mais que não precisávamos. Então nós combinamos que só íamos nos mudar para uma casa maior quando nosso primeiro filho nascesse. Como o pequerrucho estava para nascer, tinha chegado a hora.

Encontramos um apartamento de que gostamos e já fizemos a vistoria. Assinamos o contratopara um ano e tudo já estava marcado, quando apareceu um probleminha. Tínhamos que empacotar e encaixotar tudo e depois definir como levar tudo para a nova casa.

Primeiro o transporte. A tia da minha esposa tem uma picape velha, e minha esposa disse que ela lhe emprestava o veículo. Era grande, mas não era nenhuma caminhonete, então além da gente ter que erguer peso e baixar peso, ainda vai ter que rezar para que a picape não arrie com a carga.

Propus então que contratássemos uma empresa de mudança. Era uma ideia que me rodeava havia um tempo. Além da transportadora cuidar do óbvio, que era o transporte, ainda podia ajudar na arrumação.

Minha esposa ficou dando tratos à bola até que, por fim, disse que tinha uma alternativa melhor. Ela ia chamar a galera dela no dia da mudança. Ela preparava um almocinho para todo mundo, e eles com certeza iam socorrer a nós dois nesse momento de precisão.

Aceitei de muito malgrado, mas aceitei. Ia fazer o quê?

Depois, as embalagens. Comprei plástico bolha, fita adesiva, caixa de papelão, caixotes e outras coisinhas para armazenartudo em segurança. Era tarefa descomplicada, dava para eu mesmo fazer. Entretanto, minha esposa se meteu no meio. “Mas ainda não pode guardar nada! A gente vai continuar morando aqui até dia vinte!” Tudo bem, fazia sentido, mas resolvi deixar tudo espalhado do jeito que estava – caixas, fitas – para ficar em ponto de bala. Aproveitei para ir guardando aquilo que não tinha serventia. Assim que chegasse o dia, pã, começávamos imediatamente e teríamos menos trabalho.

E por fim o desligamentodos serviços. Pedi para cancelarem a internet, porque íamos mudar de casa e já tinha solicitado a mudança do endereço de correspondência.

Estava tudo prontinho, perfeito mesmo, até que, na última hora, foi um desmarca daqui, foi mal dali e ninguém veio. E era o último dia do nosso contrato na nossa casa atual. Então tive de correr da perna. Foi um guarda que guarda, embala que embala, liga para a tia para pegar a picape, carrega e descarrega e conseguimos terminar tudo a tempo. Ficou um bocado de coisa para trás e ficou também a lição – da próxima, faço eu do meu jeito, e minha esposa não vai mais fazer das suas.

Feb 02, 202347:06
Episode 208: Hiking in the Chapada Diamantina

Episode 208: Hiking in the Chapada Diamantina

To grab a free learning guide, go to: https://portuguesewitheli.com/school

And here is the monologue for your benefit:

Não é de hoje que digo que “quem quer, dá um jeito; quem não quer, dá uma desculpa.”

Tenho dois amigos, Leonardo e Celina, e são como unha e carne desde nosso tempo de escola. Hoje, trabalhamos os três juntos, mas Leo e Celina são mais próximos. Eles decidiram que, nas próximas férias, iriam fazer trilha na Chapada Diamantina.

Celina sempre foi a certinha da turma e tratou logo de reunir os suprimentos da viagem: foi ao mercado e comprou um fogareiro para fazer a comida, cantispara levar o que beber, repelentes (como Celina costuma dizer, “modeos mosquitos”), lanternas se pernoitarem por lá, barracas, um par de tênis novinhos em folha e outras bugigangaspara facilitar a vida na hora H. Celina queria entrar em campo sem titubear.

Já Leonardo olhou para aquilo tudo e achou divertido. “Celina estava realmente com a corda toda,” ele pensou, mas não comentou nada. Por ter um porte atlético e ter noção de como era a trilha, pois já tinha visto vídeos de trilhas antes, decidiu levar na maciota. Não era tão aguerrido como Celina, e nem achava que precisava ser, porque, afinal, era só... o quê, um ou dois dias? Essa estava no papo.

No dia da viagem, estavam os dois na rodoviária – ele se alongando(não queria suar a camisa em nenhum sentido) e ela no pique, pois tinha se exercitado e praticado tanto que até tinha calejado os pés. Sua mochila era enorme; a de Léo, em contrapartida, parecia a de um estudante do ensino fundamental.

“Mas só isso, Léo?” Celina perguntou. “Olhe lá, hein?A gente vai ficar no meio do mato por dois dias. Você acha que isso dá?”

“Dá sim,” Léo respondeu. “Ou você está querendo inventar desculpa para dar para trás, hein?”

“Só estou querendo te dizer que pode ficar difícil, mas se você teima em ir assim, você sabe o que faz.”

Léo fez cara de quem diz “sei mesmo” e embarcaram no ônibus.

Chegando lá, começaram a caminhar pela mata – o dia estava quente e mesmo ao ar livre e em terreno baixo a vistaera de tirar o fôlego. Celina estava feliz, caminhando a passos largos, enquanto Léo seguia atrás. No meio do caminho, Léo torceuo pé [ai!] e precisaram parar.

“Vamos armar a barraca aqui e voltamos amanhã,” Celina disse.

“Não precisa, estou bem. Dá para continuar um pouquinho mais.”

Celina disse que admirava a obstinação de Léo, mas não precisava de tanto.

Chega de ‘mas’... vamos.”

Léo deu mais dois passos e disse:

“Pensando bem, é melhor armar a barraca.”

Léo não tinha a vontade de ferro de Celina, mas tinha perna de borracha. Depois de algumas horas, eles voltaram para a cidade e Léo sugeriu que fossem à praia. Era mais seguro e ele podia ficar na areia.

Jan 27, 202359:51
Episode 207: News Programs and TV

Episode 207: News Programs and TV

To grab a free learning guide, click here: https://portuguesewitheli.com/school-invitation/

And here is the monologue for your benefit:

Há quem diga que antigamente a vida era melhor. Não creio em tamanha besteira. “Antigamente era melhor” é uma ova. Hoje está muito melhor e posso provar.

Só para você ter uma ideia, a TV antigamente era pavorosa. E não ajudava que lá em casa fôssemos três para uma televisão. Cada um queria assistir uma coisa diferente.

O fraco da minha mãe eram os programas policiais. Ela assistia à primeira transmissão de dia e a reprise de noite. A vinheta do programa tinha uma musiquinha inconfundível – o som do disparo de balas e gritos. Depois o âncora vinha com uma empolgação sinistra, mostrando as manchetes do dia, que reiteradamenteincluíam sequestro-relâmpago, saidinha bancária, homicídioe todo tipo de agrura de que o povo padece. E os repórteres não ficavam atrás em matéria de animação com aquilo tudo.

Já meu pai gostava de assistir novela, o que pelo menos era uma trégua. Como parte das novelas passava de dia, ele tinha de assistir os programas do fim de semana para ficar em dia com os acontecimentos. Se alguém estivesse assistindo televisão na hora ia passar uma novela, ele andava de um lado para o outro, murmurando, sem falar diretamente mas dando a saber que ele queria assistir. E a gente sem querer atrapalhava o coitado, porque ele só falava que queria assistir quando era alguma estreia.

No meu caso, sempre tive uma propensão para assistir o noticiário político, mesmo que ficasse sempre com um gosto amargo na boca ao ver a falados políticos. Eles mentiam na cara dura em rede nacional durante as coletivas de imprensa. E quando os jornais e a imprensa marrom decidiam por fim falar sério dos problemas do país, tudo era feito de maneira sigilosa, nunca “dedurando” os culpados, porque, afinal, os culpados molhavam a mão dos jornalistas.

E olhe, nem culpo os jornalistas, porque com esse salário que recebem para escrever tantas reportagens, não é possível fazer a cobertura de tanta coisa tão rápido por tão pouco...

Mas estou saindo do assunto. Porque hoje melhorou muito. Meus pais continuam com a mesma predileção. E eu também. Mas hoje são eles lá, e eu cá. E agora tenho um serviço de streaming. Faz anos que não assisto TV aberta.

Jan 20, 202349:31
Episode 206: If I Won the Lottery

Episode 206: If I Won the Lottery

To grab a free learning guide, please visit: https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit.

Todo fim de ano é de lei: antes do dia 31, vou para a lotérica fazer minha fezinhana Mega da Virada. Compro um bilhete, só um para mim mesmo. Prefiro apostar sozinho que participar do bolão lá da firma. Imagina só, levar uma bolada de trocentosmilhões de reais sozinho, o que eu não faria com esse rio de dinheiro?

Eu não aposto no bolão da empresa por dois motivos. Primeiro, não gosto de nenhum dos energúmenos que trabalham comigo. Naquela empresa, é cobra comendo cobra. Meu chefe é um tirano assumido – já disse que manda quem pode, obedece quem tem juízo. E no caso, ele manda, porque está por cima. Eu com dinheiro mandava logo o dono da empresa ir pastar. O segundo motivo é que, quanto menos gente ficar sabendo, melhor.

O difícil ia ser esconder a coisa toda dos parentes e aderentes. Tem o Ferreirinha, que vive dando facada em mim. Tem a Miriam, que não ia caber em si se descobrisse que o irmão tirou a sorte grande. E ainda tem o Fernando, que vive chorando de barriga cheia. Assim que a notícia lhe chegasse aos ouvidos ele ia vir para cima de mim com aquela cantilenasobre a penca de filhos que tinha de sustentar e tal...

Eu ia renegar todos eles.

Ah, se eu ganhasse na loteria... ia estar feito na vida. Ia ser sopa no mel, eu ia poder me aposentar agorinha, ia sumir do mapa, ia mudar de nome e fazer tanta coisa que deixei de fazer... sei que não sou tão sortudoassim, porque nem prêmio de rifa de escola cheguei a ganhar, e nas raspadinhas sempre ficava na mesma – ou melhor, ainda perdia o dinheiro da cartela. O máximo de sorte que tive foi quando ganhei dois bombons de chocolate na empresa, mas aquilo foi brindepara quem participou do treinamento... bom, quem sabe eu não dou uma cagada e levo o grande prêmio?

Jan 13, 202348:32
Episode 205: Commitments, or an Appointment with the Mother-in-law

Episode 205: Commitments, or an Appointment with the Mother-in-law

Use this assessment to know what your level is (and get a plan to go on): https://portuguesewitheli.com/portuguese-assessment/

And here is the monologue for your benefit.

Sei que essa história é mais batida que não sei o quê, mas não me dou nada, nada com minha sogra. A única coisa boa que essa mulher fez foi colocar a Camila no mundo, e a Camila é minha esposa. Só que até dela estou começando a ter raiva. Deixa eu te explicar.

A Camila empenhou a palavra com a mãe, dizendo que ia comparecer ao aniversário de 70 anos da velha. Até aí tudo bem – a mãe é dela, não minha. É uma incumbênciaque ela tem, mas não é compromisso meu. Não preciso comparecer ao aniversário da minha sogra.

“Mas Fernando, é o aniversário de mamãe!” minha esposa insistiu. “Se você não comparecer, ela vai pensar que eu não tenho palavra. Eu disse que nós dois íamos.”

Antes rejeitasse o convite! Pois diga a ela que eu sinto muito. Invente aí uma desculpa qualquer. Ou eu mesmo posso declinar do convite.”

“Tudo bem,” disse a Camila. “Eu vou sozinha. Mas quando eu voltar, sou uma mulher solteira.”

Eita. Quando ela quer, consegue ser igualzinha à jararaca da mãe dela. “Baixe essa bola aí, meu amor. Eu vou, não precisa dessa afobação não. Você só vai se ver livre de mim no dia que eu esticar as canelas.”

Minha esposa deu um sorriso e foi dizendo o que eu podia e não podia fazer. Ela adora cagar regra, é igualzinha à mãe dela às vezes. E eu tinha que fazer o jogo dela, senão tinha que lidar com as consequências. Enquanto ela ia se arrumando, fiquei fazendo hora, para ver se a gente se atrasava e minha esposa recuava. Mas não consegui. Sou um homem de palavra: não me furto às obrigações. Agora era só deixar a bola rolar.

Chegando na casa da velha, fiquei plantado na sala esperando a mãe dela terminar de se arrumar. O pai dela, coitado, esse não se lembrava mais nem do próprio nome. Ela bem que podia estar que nem ele.

“Cadê o digníssimo?” ouvi minha sogra perguntar saindo do quarto. Quando ela me viu, disse:

“Fernando, onde você comprou essa camisa, tinha para homem?” e deu uma gargalhada carregada. Ela era fumante.

“Eita, vai chover” eu disse, e minha sogra pareceu ofendida. Minha esposa me deu uma bronca só com o olhar. Aí foi minha vez de colocar os panos quentes. “Desculpa.”

Tudo bem. Ia dançar conforme a música. Mas ainda ia fazer uma boa com minha esposa.

Jan 05, 202348:32
Episode 204: Gas Stations

Episode 204: Gas Stations

To grab a free learning guide, go here: https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit:

Tem gente que nasce com a bunda virada para a luae nunca precisa trabalhar. Tem quem se esforce feito louco para conseguir algo. E tem gente como eu, para quem o trabalho de frentista num posto de gasolina é mais do que bastante.

Sei que o salário não é alto, que o trabalho não tem um pingo de glamour, que existem oportunidades que pagam bem melhor e tal. Mas se a alternativa é me matar de estudar, viver com a corda no pescoço, e no fim, se der sorte, financiar um casebre em trinta anos...

Comigo não, violão!

O trabalho aqui até que é divertido. Chega um motorista e a gente pergunta: “encher o tanque, patrão?” Pega a mangueira da bomba, tira a tampa do tanque e abastece. Olha se o medidor está funcionando legal, se a gasolina não derrama, pega a maquininha, o cliente passa o cartão e lá se vai mais um freguês satisfeito.

Claro, tenho sorte de trabalhar num posto de distribuidora. Aqui pelo menos a gente sabe que a gasolina não é batizada. Ouvi dizer que tem posto bandeira branca que vende gasolina misturada com querosene, porque assim o dono ganha por fora. E como na maioria dos postos também funciona uma oficina, o carro do cliente vem, a gasolina estraga o motor e quando o condutor dá a partida, sai fumaça preta do cano do escapamento, o carro começa a engasgar e o veículo fica por lá para a manutenção.

Mas é óbvio que nem tudo vai às mil maravilhas. Veja só: com os preços exorbitantes do jeito que estão, tem cliente que não entende e pensa que a culpa é da gente, dos empregados. Reclamam, e se a gente oferece um adicional, sei lá, uma troca de óleo pela metade do preço, eles dizem que se sentem roubados. E agora com essa onda deagradar cliente a todo custo (por causa da concorrência), oferecendo isso e aquilo, o cliente fica irritado se o posto não oferecer para trocar pneu careca e não tiver um lava-jato grátis à disposição.

E olhe que o posto onde trabalho é bem generoso. Dá desconto na loja de conveniência, mostra que tem selo do INMETROem tudo e recentemente até contratou um cachorro. Pois é, um vira-lataque se encostou por aqui. O dono viu, pegou gosto pelo cachorro, mandou fazer uma farda, um crachá e pronto: o Joselito agora é nosso mais novo funcionário.

Com uma vida assim, quem é que precisa ficar se matando de estudar?

Dec 28, 202255:09
Episode 203: Allergies and Reactions

Episode 203: Allergies and Reactions

To grab a free learning guide, go to: https://portuguesewitheli.com/school

And here is today's story for you :-)

Era fim de ano.

Passei os últimos seis meses namorandouma casa de praia que vi na internet. Depois de gastar muita saliva, estava fechado o negócio: íamos passar o réveillon pertinho da praia, num casarão com piscina.

Você reparou que eu disse “íamos”? Pois é. Convidei três parças lá da firma. Eles tinham dinheiro, e dava para a gente se cotizar. Assim, não ficava pesado para ninguém.

Fomos na quinta-feira antes do Ano-Novo. Combinamos de nos encontrar lá. Eu cheguei primeiro, porque tinha de receber as chaves e falar com o dono. A casa era grande mesmo e parecia que estava fechada há muito tempo. “Abri para arejar um pouco” disse o dono. “Vai levar um tempinho.”

Por mim, tudo bem, pensei, mas devia ter desfeito o negócio no ato.

Quando o Élcio chegou, foi logo reclamando.

“Rapaz, que cheiro de mofo desgraçado é esse?” e começou a espirrar. O nariz do coitado ficou vermelho como um tomate. “Tenho alergia a ácaro”.

“A gente fica aqui fora por enquanto, até o ar circular lá dentro.”

Tudo bem, esse era um problema que dava para resolver fácil.

O Augusto e o João chegaram depois. Este perguntou:

“E aí, cadê os comes e bebes? Vamos ter churrasco ou não?”

Eu até tinha trazido carne, mas descobrimos ali que o Augusto não comia carne. Não era vegetariano, mas não comia carne.

Fui ao mercado e trouxe peixe e camarão.

Ao ver o que eu tinha trazido, o Augusto deu um pulo para trás. “Tira isso de perto de mim!,” ele gritou. “Se eu triscarnisso, posso ter um choque anafilático!”

“Tudo bem,” disse para mim mesmo. “Vou ver o que fazer sobre a comida depois, então.” E mandei que eles fossem tomando uma cervejinha, porque o dia estava quente.

“Não posso,” Élcio disse. “Cerveja dessa marca me dá logo um inchaço na barriga e depois fico morrendo de cólicas a tarde toda.”

“Esse alumínio da latinha me dá coceira. Só de pegar nela, minha pele começa a descamar,” disse Augusto. “Tem cerveja em garrafa ou em material hipoalergênico?”

E João, que estava comendo carne e bebendo cerveja, perguntou:

“Velho, algum de vocês tem uma pomada aí? Minha pele está toda ressecada. Tenho alergia a sol. Não sou acostumado a ficar perto da praia.”

E o João estava começando a ficar com uma vermelhidão no braço. Era urticária? Do lado dele, Élcio espirrava e se coçava. Os olhos dele estavam marejados. “Mal entro em contato com poeira e meu nariz entope logo e me dá coriza.”

E Augusto tinha ido para o jardim. Estava com medo de encostar em algo e desencadear uma crise alérgica e acontecer uma tragédia num dia de folga.

E eu, que tinha me planejado todo para relaxar e conversar com os amigos nesse fim de ano, ia ter que passar perto de um cara que estava com a rinite atacada, outro que não comia nada porque era alérgico a tudo e um último que tinha alergia à sol.

Até parece que joguei pedra na cruz!

Dec 21, 202251:20
Episode 202: Couples with an Age-Gap

Episode 202: Couples with an Age-Gap

To purchase the learning guide for this episode, follow this link: https://sowl.co/gNoiQ

To grab a free learning guide, follow this link: https://portuguesewitheli.com/school

And here is the monologue for your benefit:

Já perdi as contas de quantas vezes meu pai surtoucomigo essa semana. E tudo por causa de um relacionamento bobo.

Sabe, conheci um coroa na galeria onde trabalho. Ele era um cliente, e o nome era Jânio. Primeiro, o Jânio foi muito galante comigo – tinha um papo inteligente, era formoso e ainda por cima muito enxuto. E, apesar da investida inicial, ele foi super respeitoso. Pedia o meu consentimento para falar comigo e sempre respeitava os meus limites.

Ele foi tão maravilhoso que nem liguei para a nossa diferença de idade – o Jânio era quinze anos mais velho que eu – e aceitei o pedido de namoro que ele fez, ajoelhado, num jantar à luz de velas. Disse que, se eu quisesse, nem precisava mais trabalhar, que ele tinha como me patrocinar, mas recusei – eu não estava querendo dar o golpe do baú nem nada e não precisava disso. E de todo modo ele não queria que eu parasse, só ofereceu porque, se eu quisesse, podia me dedicar à minha arte.

Quando meu pai ficou sabendo, foi o furo do século – a Anita está namorando um ancião que tinha idade para ser o pai dela! Contou para minha mãe, que só disse “panela velha é que faz comida boa”. Meu pai ficou roxo que nem uma berinjela. “E a regra dos sete?” ele gritou. E lá vinha ele de novo com essa história. Eu era só quinze anos mais nova, não era como se ele tivesse o dobro da minha idade. Além disso, eu tinha maturidade suficiente para saber o que eu queria.

Mas para meu pai era um tabu.

“Você é desmiolada,” ele disse comigo. “Não tem um pingo de juízo. Onde já se viu? A sociedade vai condenar vocês. Milagre é não chamarem o CEDECApara ele, esse papa-anjo.”

“O senhor é que é um pudico!” Não aguentei e gritei com ele.

“Bom,” interveio minha mãe. “Aqui não podemos ter dois pesos, duas medidas. Não é como se ele estivesse tentando engabelar nossa filha – ele foi franco com ela sobre suas intenções. Ela encontrou nele um ombro amigo e ele, nela. Não é a gente que vai atravancar a relação de nossa filha, Cléber. Até porque eu mesma sou mais nova que você doze anos.”

“É, mas com a gente é diferente, né?” meu pai disse.

“É diferente como?” minha mãe contestou. E eu ecoei: “É, é diferente como?” Acuado, meu pai ficou caladinho, e a briga acabou ali.

Dec 14, 202252:32
Episode 201: Tools and DIY

Episode 201: Tools and DIY

To purchase the guide for this episode, follow this link: https://sowl.co/nrR4N (special launch price until 12/14/2022)

And here is the monologue for your benefit:

Minha filha está muito mudada, e não sei se acho isso bom ou ruim.

Antes, ela era muito preguiçosa. Morava — e ainda mora — comigo porque estava indo para a faculdade, mas o hábito dela sempre foi o mesmo. Ela se acordava perto de meio-dia e, quando se levantava, ia direto para o computador. A gente se preocupava com ela porque hoje em dia os jovens não têm muita resiliência para segurar o rojão, e minha filha não parecia ser do tipo que ia ser alguém na vida. Nem um macarrão ela sabia fazer!

Mas as coisas ficaram diferentes com a chegada de um novo vizinho. Era o Adriano, um bricoleiro que tinha minha idade e com quem minha filha tinha desenvolvido uma amizade próxima... demais.

E agora ela mudou. Está querendo fazer trabalhos manuais. Um dia desses chegou em casa com uma caixa de ferramentas e outros materiais. Tinha ido a uma loja de construção.

A primeira coisa que ela fez foi dar um jeito no encanamento do banheiro para consertarum vazamento antigo. Fiquei com o pé atrás – nunca a conheci pegando no batente. Mas resolvi dar uma chance.

E não é que ela consertou?

E aí ficou andando pela casa. Dizia que a gente precisava de uma reforma. Embora ela não conseguisse fazer tudo – ainda precisava que o Adriano lhe ensinasse um pouco mais – ia passar um pente-fino na casa para ver o que podia ir adiantando.

No jardim, disse que precisava de umas ferragens, uma pá e uma enxada para capinar. Ia preparar um canteirinho para as flores de que a mãe dela tanto gostava em vida. Ia ficar lindo.

Na garagem, pegou uma furadeira, uma serra, umas tábuas e um monte de prego e martelo – disse que ia construir uma estante para a gente guardar as peças do carro e deixar tudo mais organizado.

Nos quartos, ela planejava pintarcom tinta antimofo, porque ficava muito úmido na época de chuva. Até trouxe umas amostras para que eu escolhesse a cor, e já tinha comprado pincéis e estopa para começar o trabalho.

E andava para cima e para baixo, ora com uma chave de fenda, ora com um alicate, fazendo algum reparo ou dando acabamento em algum serviço que tinha começado.

A amizade dela com o Adriano foi o estopim dessa mudança, mas acho que aí tem coisa. E estou com medo. O Adriano é quase vinte anos mais velho que ela, mas tem sido uma influência tão boa para minha filha. Agora estou entre a cruz e a caldeirinha. Será que ponho fim a essa amizade e trago de volta minha filha preguiçosa ou deixo a coisa rolar e ver até onde vai?

Não sei, mas vou esperar até que ela reforme a varanda para tomar uma decisão.

Dec 07, 202257:52
Episode 200: Old Clothes, New Clothes

Episode 200: Old Clothes, New Clothes

To purchase the Learning Guide for this Episode, please click here: https://sowl.co/brWP5P

To grab a free learning guide, click here: https://portuguesewitheli.com/school-invitation/

Dizem que os opostos se atraem. Isso nunca foi tão verdade quanto o caso de Renata e André.

O André era um rapagãoquando mais jovem, muito bem apessoado. Usava camisa de golapolo, calça jeans o tempo todo e tênis, mesmo nos dias mais quentes. Ele tinha um guarda-roupa bem diversificado; contava com um traje para cada ocasião: se a ocasião pedisse requinte, lá ia André todo nos trinques. Não era possível encontrar uma camisa amarrotada, uma camiseta puída, uma calça desbotada nem sapatos gastos. Ele era a elegância encarnada.

Nada mais natural que ele virasse vendedor.

E como vendedor numa papelaria, conheceu muitos clientes, e com uma dessas clientes ele acabou se casando.

Renata, a felizarda, era estudante de filosofia quando eles se conheceram. Ela enxergava muito além da “cascavazia” que era a aparência – palavras dela, não minhas – e não ligava deusar uma roupinha rasgada de vez em quando. O visualmais comum dela era uma calça manchada de tinta que ela tinha comprado quando começou a oficina de pintura, uma camisa qualquer e um par de sandálias que ela tinha que substituir de tempos em tempos, porque eram sandálias bem “vagabundinhas” e quebravam fácil. Seus amigos até sugeriam que ela fosse comprar algo, porque ela tinha dinheiro. Mas Renata odiava bater perna. Frequentar shopping? Era um suplício. Antes ficar com aquele monte de trapo que gastar dinheiro em moda inútil.

E agora os dois estavam juntos – ele, super arrumado, e ela, que tinha andrajos de fazer vergonha.

Durante um tempo, o relacionamento até que funcionou bem, mas uma hora tudo cansa. E agora que André e Renata tinham que ir a uma festa de formatura de uma amiga do André, o tempo fechou. André queria que Renata fosse com ele comprar roupas novas, para não fazer feio na festa da amiga; Renata, por sua vez, preferia ir com sua calça que ficava pescando siri. Ela não ia se render a essa bobagem de enfiar uma roupa cara e desconfortável só para ganhar a aprovação dos outros.

André se sentia avacalhado. Até ligou para os amigos, pedindo conselho. No final, ele desistiu e, com muita raiva, disse para Renata que ia sozinho. Renata disse: “vá, pode ir, meu amor. Você vai se divertir e, quando voltar, eu vou estar aqui.”

E foi o que aconteceu. Ele foi sozinho, se divertiu para caramba, chegou em casa, conversou com Renata, e o mundo não se acabou.

Nov 30, 202242:06
Episode 199: A controversial plan

Episode 199: A controversial plan

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://sowl.co/w2Di9

To grab a free learning guide, please go to https://portuguesewitheli.com/school-invitation

Na moral (song) - https://www.youtube.com/watch?v=PcBgfuB64yA

And here is the monologue for your benefit:

Trabalho numa empresa familiar e, se eu puder te dar um conselho, nunca invente de trabalhar numa empresa assim. Além de ter que lidar com os desacertos de um monte de gente que não enxerga um palmo adiante do nariz, ainda precisa ficar escutando asneira de seu chefe, porque não pode denunciá-lo para a direção da empresa. Afinal, seu chefe é filho do dono!

E só para dar nome aos bois, estou falando do Abelardo. Ele é um “menino” ainda, dois anos mais novo que eu. Mas é gerente dessa joça desde que ficou de maior.

Ele vive mexendo com as empregadas. Faz comentários sobre o corpo delas, diz aquelas baboseiras de “ô lá em casa”, e as coitadas não podem nem revidar o ultraje. A maioria morde a língua porque precisa daquele emprego para sustentar a família.

Além disso, Abelardo é muito esquentadinho. Nessas épocas de política, ele costuma fazer comentários incendiários sobre os eleitores do adversário do candidato dele. Quem declarar voto é logo humilhadopor ele. Bom, nem todo mundo. Com a Maria, coitada, que não fazia mal a uma mosca, Abelardo fez a maior zoada, até que ela mesma se demitiu. Mas com a Tânia, que era raçuda e não se deixava incomodar, ele não peitou ela. Foi pedir a cabeça dela para o papai, que, claro, fez as vontades do filhinho.

Normalmente, gente dessa laiaconsegue se safar de tudo, mas, na moral, o Abelardo não se sai dessa não. Eu e uns colegas estamos planejando dar uma coça nele. É um plano controverso? É, mas eu não vou problematizar isso não, ó. Se você quiser fazer tempestade em copo d’água, é com você. Sou dono do meu nariz.

Nov 23, 202250:33
Episode 198: A "Pleasant" Day on the Beach

Episode 198: A "Pleasant" Day on the Beach

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805713/409C9377/purchase

To grab a free learning guide, please go to https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit:

Acho um pecado eu morar em Salvador e não ir para a praia com frequência, sabe? Mas isso não é por mim: é mais por minha esposa. Sempre que vou, quero que ela vá, mas ela não gosta de ir. No fim de semana passado, porém, decidi que ia pegar uma praia sem ela.

“Olha, que estou sentindo uma coisa ruim” – foi o que ela disse quando soube que eu ia.

Ah, meu amor, vai agourar outro! Claro, disse isso para mim mesmo, porque o que eu disse a ela foi:

“Não se preocupe, meu amor. Vou ter cuidado.”

E tive mesmo.

Como queria pegar um bronze, escolhi uma sunga em vez de um calção de banho. É mais chamativo, mas é melhor. Minha esposa sempre ia de biquini e chamava atenção dos marmanjos da praia; eu não me importava de chamar atenção também. E para me bronzear melhor, peguei uma espreguiçadeira que estava acumulando poeira no quintal. Ia ficar show na orla!

Também não queria ficar com queimaduras de sol, então peguei um protetor solar melhorzinho na farmácia antes de ir. Separei também uma garrafinha para a água, porque não posso descuidar da hidratação, né? E, como uma coisa leva a outra, também coloquei umas latinhas de cerveja na caixa térmica.

Antes de sair, ainda me certifiquei de que ela não queria mesmo ir. “Pode ir, meu anjo,” ela disse. “Só estou com um pressentimento...”

Vire essa boca para lá,” eu disse em tom de brincadeira.

Mesmo com a praga dela, estava decidido a ir. E fui.

Chegando lá, céu limpo. Nem sinal de chuva. Então coloquei minha espreguiçadeira na areia, estendi minha toalha e me deitei. Daí, ouvi uma gritaria vindo de perto. Quando olhei, era um monte de gente correndo. Era um arrastão! Levaram tudo que eu tinha deixado à mostra. Mas pelo menos deixaram a cadeira.

Eu devia ter voltado para casa nesse instante, mas estava decidido a curtir a praia — além do quê, não ia dar o braço a torcer e dizer que minha esposa tinha razão. Então fiquei. Comprei um queijo no espeto. Chegaram outras pessoas ao redor. Então começaram os gritos. Dessa vez, eram crianças. Depois, os adultos. Eram os farofeiros. Não tinha nada contra eles, mas eles começaram a emporcalhar o ambiente e era chato ver a praia assim.

No fim das contas, o dia na praia foi uma droga. Mas ó: boca de siri. Se minha esposa souber, ela não vai mais parar de falar.

Nov 16, 202256:09
Episode 197: Views on Civil Service

Episode 197: Views on Civil Service

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805714/CE582F40/purchase

>>> Shall we meet? Follow this link: https://social.portuguesewitheli.com/meetngreet

And here is the monologue for your benefit:

Quando éramos pequenos, minha irmã e eu sempre ouvíamos o conselho de nossos pais:

“Filhos, estudem bastante enquanto ainda são jovens, para passarem num concurso público quando estiverem mais velhos. Aí vocês podem comprar uma casinha, se juntar com alguém e formar uma família.”

Meus pais só queriam o nosso bem, mas, sabe, nunca fui CDF. Mesmo depois da escola, quando prometi a eles que estudaria para entrar para o funcionalismo público, não me dedicava. E tinha, claro, algumas razões para isso: não era interessante. Mas também havia discrepâncias no campo ideológico.

Veja só. O servidor público tem que percorrer uma trajetória longa e desagradável. Primeiro, tem que se inscrever em algum certame, mas, para isso, precisa esperar até um órgão público lançar um edital. Depois, tem que se preparar – fazer simulados, preparar um cronogramade estudos, colocar a mão na massa mesmo.

Depois, tem que enfrentar o nervosismo na noite que antecede a prova. E, se aprovado, ainda tem que passar pelo teste de aptidão e o psicotécnico. Só então é que tem a prova de títulos e, por fim, o funcionário entra no serviço público.

Mas, se pensa que acabou, não acabou não. Depois de “contratado”, o empregado vai ser lotado em algum lugar à escolha do órgão, normalmente constante no edital. E ainda vão passar alguns anos no estágio probatório. Se não for exonerado nesse ínterim, vai ser efetivado e, enfim, gozarde estabilidade.

Todo mundo pensaria que, depois de tantos obstáculos, quem trabalhasse no serviço público seria uma pessoa dedicada. Ledo engano. Depois que entram é que percebem a mamata que existe. Quem tenta fazer algo, não consegue. Existe muita morosidadenas repartições públicas. E como não podem ser demitidas, as pessoas fazem corpo mole. Além disso, tem muita peixada de político no serviço público. A maior parte dos departamentos vira cabide de emprego desse ou daquele político.

Eu mesmo não fui feito para isso. Meu negócio é a iniciativa privada.

Minha irmã Célia é que sempre quis ser funcionária pública – ela destrinchava as leis durante os estudos, fazia tudo que era simulado, ia para a biblioteca... e ela acabou de ser aprovada. Ainda está deslumbrada com o serviço e tudo o que pode fazer. Vamos ver se ela não se rende e acaba virando mais uma.

Afinal, a esperança é a última que morre.

Nov 09, 202255:53
Episode 196: Air Travel

Episode 196: Air Travel

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://sowl.co/biVXmV

Minha vida é bem atribulada, mas tenho sorte, porque tudo sempre sai bem no final. Até mesmo viagem de fim de ano, para mim, sempre dá certo.

E viagem não é fácil, viu?

Primeiro, tem os contratempos nos aeroportos. Você sabe que o daqui de Salvador é um ovo. E é lotado o tempo todo. E lá fui eu, com meu localizador, duas malasgrandes e uma de mão, para despachar tudo no balcão do check-in. Deu excesso de peso e tive de pagar o adicional lá mesmo. Coloquei tudo no cartão. Meu limite estava perigandoestourar, mas, graças a Deus, passou.

Na hora de embarcar, mais uma chatice. A gente tem que formar filas, todo mundo sabe disso, mas sempre tem um ou outro espertinho que fura a fila. A confusão começa, todo mundo reclama, mas o atendente da companhia aérea não se importa: olha o cartão de embarque, confere os documentos e manda entrar.

Quando fui procurar meu assento – que era “confort”, marcado com não sei quantos dias de antecedência – vi que tinha um fedelho sentado lá. Quando eu pedi que ele saísse, ele começou a espernear, e a mãe dele veio lá do fundo do avião perguntar o que é que estava acontecendo.

— É seu filho? — perguntei.

Ela fez que sim. Disse que era meu assento, e ela perguntou se não podia deixar ele ali mais um pouquinho, só até o avião decolar. Eu respondi com um não bem redondo, para ver se ela se mancava. Ora essa. Eu lá pago quase três mil contos para umazinhavir me pedir para deixar o filho dela se sentar na minha poltrona?

Depois disso, pensei que ia ter paz, mas pobre não tem um minuto de sossego, viu? No meio da viagem teve turbulência. O menino de antes começou a gritar no fundo do avião, e os outros passageiros todos olhando e comentando. “Vai cair, o avião vai cair!” E a mãe dele só ria, como se aquilo fosse bonitinho.

Na hora de pousar, o menino ainda não tinha se aquietado, mas a comissária de bordo deu uma chamada na mãe dele e ela finalmente decidiu que era mãe e ia cuidar do filho. Aleluia.

Pronto. Aeronave na pista, os passageiros estavam desembarcando e lá fui eu, todo serelepe, para a esteira, pegar minha bagagem. Sorte a minha foi que nada foi extraviado.

Peguei minhas malas, fui a uma sorveteria ainda dentro do Pinto Martins e tomei um sorvetinho, para espairecer. Depois peguei o táxi para ir para a casa de minha família.

No meio do caminho, me preparei para ligar para eles, botei a mão no bolso e não encontrei o celular. Cadê o maldito celular? Tinha perdido o celular no aeroporto!

Pedi para o taxista dar meia volta. Chegamos rapidinho no aeroporto. E dei sorte, duas vezes: meu celular estava lá no Achados e Perdidos, assim como estava o cantor daquela banda, É O Tchan. Saí de lá com meu celular e um autógrafo.

Nov 04, 202251:29
Episode 195: Elections in Brazil

Episode 195: Elections in Brazil

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805716/2D5697C7/purchase

This topic isn’t easy — I suggest you listen to the episode, try your hand at using the vocab, talk to friends, and look for info online. You’ll be in a much better position to discuss elections in Brazil.

Shall we meet? Follow this link: https://social.portuguesewitheli.com/meetngreet

Do you want to understand more of what Brazilians say in Portuguese? Do you consider yourself at the intermediate level? Then grab one of our learning guides for free and see for yourself how much more you can understand after just one week. The grab your guide today, please follow this link: https://social.portuguesewitheli.com/convite

And here's the transcript of the monologue for your benefit:

A cada quatro anos é sempre essa mesma palhaçada. Temos que acordar cedo em pleno domingo, nos dirigir à nossa seção eleitoral e participar da “festa da democracia”.

“Festa da democracia.” Patacoada, isso sim.

A cada quatro anos a gente tem que ir elegerum Zé Ruela para a presidência. E toda eleiçãoé a mesma coisa. Os “presidenciáveis” são uns populistasque chegam de mansinho e de repente estão em toda parte e que só se lembram da existência do eleitor quando é para pedir voto. Inclusive, em época de eleição, eles passam na casa de cada cidadão, cumprimentando todo mundo. Quem nunca viu a cena clássica de um político fazendo careta enquanto come um pastel e toma um pingado na rua?

O ruim é que nessa época as ruas ficam uma imundície com tantos panfletos e cartazes espalhados. Até quem não trabalha para o político anda por aí distribuindo santinho, esperando convencer alguém a votar no candidato por quem eles torcem. Só se for mesmo. Só vão virar meu voto para um desses vigaristas no dia de São Nunca.

Meus amigos dizem que sou quadradopor agir assim, só porque todo ano voto em branco. Dizem que não voto com consciência. Bom, se eu votasse nulo, até que seria assim.

E se minha opinião fosse mesmo errada, como eles dizem, a gente não teria tantas abstenções nas eleições. E o pessoal que se abstém nem está indo justificar o voto. Então, se nem o voto sendo obrigatório e tendo multa para quem não vota está motivando o povo a ir votar, quem são eles para me dizer que estou errado?

E esse ano temos, de novo, segundo turno. Mais uma vez, vou ter que me acordar cedo e ir para a seção eleitoral, para a sala onde fica minha urna, porque, este ano, sou mesário. O quê? Não é contradição eu trabalhar nas eleições se as crítico tanto? Bom, posso estar trabalhando para um bando de corrupto ir fazer cagada no próximo ano, mas pelo menos tenho uma folguinha garantida.

Oct 26, 202253:26
Episode 194: Controversial Opinions on Brazil and Brazilians (Part 1)

Episode 194: Controversial Opinions on Brazil and Brazilians (Part 1)

In today's episode, we'll talk about some controversial opinions Brazilians have about Brazil. I use an imagined town in the episode without naming it, but you could say it of any big city in this country and it would fit.

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805717/61E62FB9/purchase

This wasn't an easy topic --- it's so complex, one episode won't do justice to it. That's why it's part one.

You'll probably benefit from this article (school students in Brazil use it for research): https://brasilescola.uol.com.br/brasil/favela.htm

If your Portuguese is a bit more advanced and you'd like to challenge yourself, watch this video about the history of the first favela in Brazil: https://www.youtube.com/watch?v=9fx9p-tvD0s *there are SUBTITLES in BR-PT!

And here's the monologue for your benefit:

Meu amigo de fora estava planejando passar uma temporada aqui no Brasil e me perguntou se minha cidade era segura. Aí complicou, eu disse. Complicou, porque a resposta vai depender da pessoa a quem ele pergunta.

A meu ver, não é perigosa não. Mas isso porque já estou acostumado. Todos os dias, pego ônibus para o centro e me deparocom toda sorte de gente, de morador de rua a mandachuvasde empresas. Tem mendigo pedindo esmola nas esquinas, pinguço no boteco às dez da manhã e gente que vive ao deus-dará.

Se você pergunta à Cláudia, que mora num bairro nobre desde pequenininha e que falta não pisar no chão, minha cidade está em pé de guerra. Ela acha que tem um traficante em cada esquina, segurando uma metralhadora, e que quem anda com uma roupinha meio assimé marginal. Aliás, ela nunca entrou num ônibus e talvez nem consiga imaginar o que é estar num veículo onde a “ralé” se aglomera.

E se você for depender do que mostram os filmes ou a mídia... então ferrou. Infelizmente, esse tipo de coisa só propaga o preconceito que as pessoas têm contra pobreza. Eles sempre mostram que todo pobre mora na favela, e que lá as pessoas são tristes e depauperadas, que vivem em meio à violência o tempo todo, isso quando não estão em algum baile funk escutando as obscenidades de algum proibidão.

A verdade é que é um pouquinho de tudo. O Brasil é um país muito desigual, complexo, e é mais fácil acreditar em estereótipos e hostilizar quem não conhecemos do que questionar a razão de tudo ser assim.

Por isso, no final, disse a meu amigo que a única coisa que posso afirmar é que a gente daqui é dura na queda. O pessoal vai levando e tentando não deixar a peteca cair.

Oct 20, 202251:50
Episode 193: Types of Work and Contract

Episode 193: Types of Work and Contract

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805718/7A4354F3/purchase

If you'd like to have a free learning guide to see whether you like it, go to https://portuguesewitheli.com/school-invitation

And here is the monologue for your benefit:

A vida não está fácil, e com a economia bamba do jeito que está, a gente tem que se agarrar ao que tem para chegar ao fim do mês. Mas nem todo mundo vê as coisas assim.

Olhe só o meu sobrinho. Minha irmã o criou com todo o esmero, deu a ele tudo do bom e do melhor, mas ele não quer nada com nada. Completou vinte e cinco anos e ainda mora com a mãe.

Antes ele trabalhava como horistanuma dessas franquias de fast food. Ele queria ser chefe, mas todo mundo sabe que a mão de obra nesse mercado é fartae os salários, baixos. Daí ele se demitiu e disse que não ia integrar as forças produtivas de uma indústria que causava tantos danos ao meio ambiente.

Depois entrou como mensalistanuma empresa que produzia calçados. No segundo mês, ele estava exausto com as horas extras que tinha que fazer toda semana. Um dia chegou em casa reclamando que o trabalho era puxado e que, assim que recebesse a quinzena, ia pedir as contas.

Minha irmã ficou escandalizada, mas não falou nada. Eu que perguntei ao meu sobrinho: “e vai fazer o quê agora, tratante?” Minha irmã não gostava que eu o chamasse assim, mas o que é que se diz a alguém que vive inventando desculpa para não se segurar num trabalho?

Meu sobrinho só deu uma risadinha. “Não vou depender dessa merreca de salário que pagam a esses trabalhadores braçais”, ele disse. “Vou estudar para o vestibular de Direitoe ser um advogado. Trabalho intelectual paga muito mais, e não vou ter de suar a camisa.”

Foi minha vez de rir. Não sabia onde é que o meu sobrinho estava com a cabeça. Dizem que todo mundo sabe onde o sapato aperta, mas se esforçar não é do feitiodo meu sobrinho. Decidi que ia pagar para ver.

Oct 13, 202245:05
Episode 192: Talking about Falsity and Insincerity

Episode 192: Talking about Falsity and Insincerity

To purchase the Learning Guide for this episode, please follow this link: https://transactions.sendowl.com/products/78805719/A5347504/purchase

>> Do you want to understand more of what Brazilians say in Portuguese? Do you consider yourself at the intermediate level? Then grab one of our learning guides for free and see for yourself how much more you can understand after just one week. The grab your guide today, please follow this link: https://social.portuguesewitheli.com/convite

And here is the monologue for your benefit:

Todo mundo conhece esse tipo: entra na empresa assim como quem não quer nada, de repente começa a se misturar aqui e ali, e de uma hora para outra forma uma panelinha e começa a galgar novos níveis na empresa porque dá rasteira em todo mundo. A minha empresa está cheia de gente assim. Pode parecer até que sou despeitado, mas você vai ver minha razão para ser tão cuidadoso com outras pessoas.

No escritório tem uma tal de Helena, que é uma faladeira que chegou faz pouco tempo. Ela foi logo ficando amiga de todo mundo. Na frente deles, é uma santa, mas vez e outra escuto a maledicência dela. Claro, não é ela quem me conta diretamente, porque não é boba. Fiquei sabendo foi por meio da Sônia, do Carlos e do Pedro.

Eles me contaram que a Helena já está envolvida num cambalacho na empresa. Ela está burlandoa supervisão fiscal e embolsando uma parcela das compras. Claro, quem me contou, pediu segredo, e eu não vou puxar o tapetede ninguém, porque não sou a Helena.

Pior é que a Helena vive se fazendo de simpática. Me dá bom dia, me ajuda no trabalho, e até já me trouxe sobremesa. Se eu não soubesse que ela é uma fingida que usa esses presentes como pretexto para se aproximar de mim e me comprar, até que eu a acharia uma moça muito agradável mesmo.

Mas de tanto eu conversar com aqueles três – Sônia, Carlos e Pedro –, algum daqueles linguarudos abriu o bocão e contou para a Helena que eu não gostava dela. Depois a gente ficou num morde e assopra e eu não sabia como dizer para a Helena que não é bem assim como os três pintaram. E então a Helena me chamou outro dia para me confidenciar que os três lá eram mais falsos que nota de três reais – eles falavam sobre mim para ela do mesmo jeito que falavam dela para mim. Eu que caí na arapucadeles e acabei me sujando.

Por isso, agora acho que as pessoas têm que ser mais cuidadosas. Se eu tivesse sido mais cuidadoso, esses três não tinham se criado.

Oct 06, 202245:55