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Literatura Oral

Literatura Oral

By Sabrina Siqueira

Leitura comentada, análise literária, leitura crítica e sugestões literárias
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#113 A FALÊNCIA - JÚLIA LOPES DE ALMEIDA

Literatura OralMay 15, 2024

00:00
01:18:12
#113 A FALÊNCIA - JÚLIA LOPES DE ALMEIDA

#113 A FALÊNCIA - JÚLIA LOPES DE ALMEIDA

Júlia Lopes de Almeida nasceu no RJ, em 1862 e faleceu em decorrência da febre amarela, na mesma cidade, em 1934, o mesmo ano em que fica pronta a vacina contra essa doença. A gente pode imaginar que o RJ seja um cenário presente na obra dela, né? Mas ela também morou em Campinas, SP, e em Lisboa, Portugal. Além de escritora, Júlia foi teatróloga e abolicionista. Como escritora, escreveu romances, literatura infantil, crônicas, peças e matérias jornalísticas. Na literatura infantil, ela foi pioneira no Brasil, publicando contos com a irmã Adelina Lopes Vieira. Casou com o poeta português Filinto de Almeida. Os três filhos do casal também foram escritores. Um dos primeiros romances escritos por Júlia Lopes de Almeida foi publicado em 1888, com o título Memórias de Martha. 1888 foi um ano importante na história brasileira, porque em 13 de maio foi abolida a escravidão, com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. O primeiro romance é uma autobiografia ficcional, uma narrativa em primeira pessoa de Martha contando sua vida. Martha é personagem de ficção, mas o livro é narrado como se fosse uma história real, uma autobiografia. E já é muito interessante e diferente pra época, porque Júlia escreve um romance em que uma mulher é protagonista. Então é livro de autoria feminina com protagonista feminina. É a história de uma menina pobre, que viveu em cortiço no RJ, e cuja mãe criava ela sozinha, tendo de se virar pra dar conta de tudo. Vejam que interessante e pertinente a temática que Júlia escolhe abordar no seu primeiro romance. Quem aí tá lembrando das lavadeiras do cortiço de Aluízio Azevedo? Memórias de Martha foi publicado aos poucos, no jornal O País, em folhetim, como era comum a publicação de romances na época. Julia Almeida participou de Sociedades Femininas da época. Foi presidente de uma, patrona de outra, e participou do planejamento da Academia Brasileira de Letras, em 1897.

May 15, 202401:18:12
#112 ROBINSON CRUSOE - DANIEL DEFOE

#112 ROBINSON CRUSOE - DANIEL DEFOE

Hoje vou comentar um clássico da literatura inglesa, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Ou Robinson Crusoé, como eu sempre escutei, na pronúncia brasileira. Ao longo do episódio aqui eu vou falar às vezes Crusoe, às vezes Crusoé, mas tá tudo certo, beleza?Esse livro do Daniel Defoe é do século XVIII e é considerado o expoente do romance inglês e uma das primeiras obras literárias desse gênero, romance. O jeito que Defoe escreveu esse livro ainda é muito diferente do que a gente conhece e tá acostumado por romance hoje, mas na época ele foi um visionário e investiu seu tempo em escrever de uma forma diferente de tudo que existia até então. Quando eu falar romance aqui, pessoal, eu tô falando do gênero literário, da forma de escrever literatura que é uma narrativa em prosa e mais longa que um conto. Em prosa significa que não é em verso, é do jeito que a gente fala, com frases corridas. Antes dos romances, os textos literários eram escritos em verso. Mesmo as histórias longas, as epopeias, eram longos textos em versos. Essa foi uma grande inovação do romance, escrever como a gente fala, com linguagem em prosa e próxima do estilo popular, simples.

Nesse episódio, citei: WATT, Ian. A ascensão do romance. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Apr 01, 202453:18
Li CALIBÃ E A BRUXA - SILVIA FEDERICI

Li CALIBÃ E A BRUXA - SILVIA FEDERICI

Minhas impressões (resumidas) da leitura de Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici. Tradução Coletivo Sycorax. Editora Elefante.

Jan 31, 202406:42
#111 IF I MUST DIE - REFAAT ALAREER

#111 IF I MUST DIE - REFAAT ALAREER

Alareer publicou o livro Gaza writes back, que é uma compilação de crônicas de escritores de Gaza sobre a vida no território. E também publicou Gaza unsilenced, que significa Gaza não silenciada. Quer dizer, ele foi atuante em escrever e em incentivar outros escritores a contar sua realidade para o mundo, em impedir que seu território ficasse invizibilizado. Esse poema que eu vou ler, If I must die, que significa “se eu devo morrer”, ele escreveu quando esse último conflito começou, em outubro. E no poema tem uma frase que passa a tarefa de não se calar ao leitor ou interlocutor. O leitor deve levar adiante seu legado de manter viva a esperança das crianças de Gaza. O poema traz a imagem de uma pipa, que o interlocutor deve fazer na cor branca para que a criança em Gaza veja como um anjo.  É uma mensagem de esperança escrita por alguém numa zona de conflito, sabendo que poderia morrer a qualquer momento e ainda assim refletindo sobre o futuro, sobre a necessidade de comunicar amor e esperança.

Jan 14, 202413:08
#110 MARIO QUINTANA

#110 MARIO QUINTANA

Entre os temas preferidos do poeta está a infância, em que o ponto de vista em alguns poemas é como se fosse o de um menino, é o olhar de criança sobre a vida. E em outros é uma constatação de que o menino ainda vive no adulto, que nem viu o tempo passar. O poeta coloca em sua poesia também a singeleza da vida, a morte, e fala muito na passagem do tempo.

Quanto à forma, Quintana assume forma livre. Bem alinhado com o momento em que ele escreve, que passou pela estética do Modernismo. Pelas temáticas abordadas, a poesia dele também se aproxima do Simbolismo, aquela estética que predominou no final do século XIX, no Brasil, e que combinava figuras de linguagem com imagens oníricas, vagas, etéreas. Em algumas poesias, Quintana constrói uma voz poética que explora essa temática.  

Jan 08, 202413:48
#109 O CEMITÉRIO DE PRAGA - UMBERTO ECO

#109 O CEMITÉRIO DE PRAGA - UMBERTO ECO

Uma forma de começar a explicar um texto é dizer em que pessoa ele é narrado, se é em primeira pessoa, com o narrador participando da ação narrativa, ou em terceira, com o narrador contando a história de alguém. E nesse aspecto O cemitério de Praga é interessante, porque são três vozes narrativas: do protagonista Simone Simonini, do abade Dalla Picolla e do narrador.

Dec 24, 202324:18
#108 GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

#108 GREGÓRIO DE MATOS GUERRA

Gregório era filho de portugueses ricos e como acontecia naquela época para quem podia estudar, foi fazer faculdade de Direito em Coimbra, Portugal. Como todos os brasileiros filhos de portugueses tinham cidadania portuguesa, naquela época, ele é considerado luso-brasileiro. Chegou a trabalhar em Portugal e lá já escrevia sátiras, que são textos em prosa ou em verso, que ridicularizam as instituições ou os costumes. De volta ao Brasil, ele se dedicou à poesia em diferentes estilos, como lírico-filosófica, sacra, erótica, pornográfica. Mas são as suas poesias satíricas atacando o governo e o clero que dão mais o que falar. Ele não tinha papas na língua e atacava a hipocrisia da sociedade bahiana dizendo tudo o que ele queria dentro dos versos. Isso rendeu várias inimizades e ele foi enviado para Angola, outra colônia portuguesa. Ficou proibido pra sempre de botar o pé na Bahia, mas conseguiu autorização de voltar ao Brasil. Morreu no Recife, em 1696, aos 60 anos.

Dec 13, 202322:11
#107 A LOTERIA - SHIRLEY JACKSON

#107 A LOTERIA - SHIRLEY JACKSON

“A loteria” foi publicado em um 26 de junho de 1948, na Revista The New Yorker. A história acontece em uma manhã ensolarada de 27 de junho, portanto a publicação em 26 de junho aumenta o efeito de terror da narrativa. Mas eu não quero ficar antecipando muito, pra quem não conhece ter a sua primeira impressão com a leitura. No ano seguinte, a autora publicou o conto na compilação The Lottery and Other Stories. Shirley Jackson teve a ideia de escrever o conto enquanto puxava o carrinho da filha numa subida, numa manhã. Ela chegou em casa, colocou a bebê no cercadinho, guardou as compras e sentou pra escrever. E escreveu em um fôlego só, do início ao fim, sem pausa. Essa versão é controversa.

Nov 21, 202301:00:23
#106 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - FINAL

#106 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - FINAL

Vocês viram que o autor coloca fim no romance, anuncia que o idílio dos dois está acabado, de Elza e de Carlos, marca o fim e depois continua a narrativa. A página que está escrito “fim” traz até uma arte que remete ao fim, com a palavra em caixa alta, distanciada do texto e centralizada, como se tivesse acabado mesmo.

Como em um movimento musical, o romance anuncia o fim e segue, num recomeço que nos remete ao um ciclo. Mário de Andrade era musicista. Na música acontece esse movimento, de marcar o fim e recomeçar a melodia. Ele usa desse recurso para conferir a ideia de ciclo ao romance. Terminado o idílio com Carlos, Elza recomeça com novo aluno, um que ela não gosta, Luís. Mas ela já está decepcionada, porque já foram tantos, que agora já estão casados, encaminhados na vida – na vida sexual/sentimental, ao menos – e ela segue presa nesse ciclo, sonhando em ter um marido. Não consegue que algum aluno se apaixone a ponto de casar, nem consegue voltar à Alemanha. Pra Elza, amar tem sido um verbo intransitivo, que não encontra objeto a não ser no marido idealizado em sonhos. O amor dela não encontra a quem se doar, nem ela é objeto de amor de nenhum dos burgueses que iniciou sexualmente. Pra personagem Elza, amar é verbo intransitivo.

Oct 30, 202355:53
CHAMADA #106

CHAMADA #106

Vem aí o episódio #106 do podcast Literatura Oral, com a parte final da leitura comentada de Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade!

Oct 30, 202300:23
#105 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 5

#105 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 5

No último episódio, vimos que a presença de corais na narrativa ajuda a entender a identidade de Elza, que considera mais importante o coletivo do que as aspirações pessoais. No coral, que ela canta com os conterrâneos alemães nas reuniões, e que ela sonha em ver apresentações quando for casada na Alemanha, no coral o que prevalece é a voz do coletivo, em detrimento de uma voz individual. A narrativa informa que nesse coral dos imigrantes alemães, os homens cantavam melhor que as mulheres. Não fica claro se isso é pensamento de Elza ou opinião do narrador. Mas Elza tem uma mentalidade um pouco machista, em que ela sempre imagina o homem como provedor e a mulher como submissa, em casa, à espera do marido.

Oct 16, 202355:42
CHAMADA #105

CHAMADA #105

VEM AÍ O EPISÓDIO #105 DO PODCAST LITERATURA ORAL

Oct 16, 202300:25
#104 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 4

#104 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 4

Andrade era um intelectual, não só entendido de literatura como de música, e encheu o texto de referências, nem todas acessíveis ao leitor mediano, sem tanta erudição quanto ele. Isso, por si só, não deveria ser motivo de crítica negativa ao romance de Mário de Andrade. Afinal, quando um texto é lotado de referências, algumas possibilidades de leitura se abrem. Ou a pessoa lê sem saber ou sem se dar conta dessas alusões, e aí absorve a história de forma mais rasa, mas ainda assim entra em contato com a narrativa proposta pelo autor. Ou a pessoa já conhece muitas das referências, se diverte com essas alusões e vai em busca de procurar saber ou entender as que ainda lhe são desconhecidas, e aí entra em contato com uma versão muito mais aprofundada do romance. Eu entendo que esse texto denso é na verdade um elogio do autor ao leitor, porque o autor confia na capacidade de decodificação desse leitor, que não precisa apreender tudo na primeira leitura, pode se divertir em descobrir mais na segunda vez em que pega o texto.

O uso de referências, de composição de textos densos, de diálogos com outros textos distantes no tempo e no espaço daquele local de publicação da obra é uma tendência do Modernismo, movimento do qual Andrade foi um dos precursores no Brasil.

Sep 27, 202301:13:55
CHAMADA #104

CHAMADA #104

Preparando o episódio #104!

Sep 26, 202300:27
#103 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 3

#103 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 3

Prestem atenção na ironia do narrador contando que Elza está sofrendo. Mais uma vez a referência à frieza do povo alemão. Mas não se enganem, o narrador é sarcástico com todas as personagens. Atentem também pra forma como o narrador conversa com o leitor, adivinha o que o leitor provavelmente pensa e responde com intimidade, como já fazia Machado de Assis.

Mário de Andrade foi um dos fundadores do Modernismo. Esse movimento influenciou as artes no sentido de ampliar as possibilidades estéticas no sentido de valorizar a expressividade popular brasileira. Com isso, rompeu com concepções acadêmicas e valorizou a oralidade. Quando Andrade escrevia, isso tudo ainda tava na fase de experimentalismo e ele chamava essa forma espontânea de escrever como se fala de “escrever brasileiro”. Por isso podemos dizer que Andrade contribuiu para a identidade linguística brasileira. Ele cria neologismos que garantem uma abordagem imagética das cenas.

Sep 02, 202301:13:08
CHAMADA #103

CHAMADA #103

Vem aí o episódio #103 do podcast Literatura Oral! segue a leitura comentada de Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade!

Sep 02, 202300:31
#102 AMAR,VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 2

#102 AMAR,VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE - PARTE 2

Como será que era ocontexto político no Brasil em 1927, quando este romance é publicado? O presidente era Washington Luís. O Partido Comunista Brasileiro volta à legalidade em janeiro e é tornado ilegal em agosto. Em setembro é fundada a Universidade Federal de Minas Gerais. O Rio Grande do Norte, em outubro, é o primeiro Estado brasileiro a legalizar o voto feminino. 1927 é o ano em que nascem Tom Jobim e Ariano Suassuna. Ano importante na história do Brasil.

Vimos que o romance conta a história de Elza, que é contratada por Sousa Costa para fazer a iniciação sexual de seu filho adolescente. Só que a mãe não sabe e Elza vai morar com a família sob o disfarce de governanta e professora de alemão. Ela imigrou em função da 1ªGM e está trabalhando para juntar dinheiro e voltar à Alemanha.

Precisamos falar sobre a escolha profissional de Elza. Tudo bem, talvez não tenha sido escolha. Mas nos diz algo da desvalorização do educador desde muito cedo, no Brasil. Porque Elza cumpre uma função de fachada que é a das preceptoras, ou seja, professoras que ensinam em casa, moram com a família. Uma tarefa muito comum no século XIX, na Europa, e muito difundida na literatura europeia. Tá aí o clássico Jane Eyre, da inglesa Charlotte Brönte, que não me deixa mentir. Só que ensinar alemão, ser governanta, enfim, não daria a ela o mesmo lucro que essa outra prática, a de instrutora sexual. Retardaria a possibilidade da volta pra Alemanha. Quer dizer, o romance nos dá pistas de desvalorização do trabalho com educação já na década de 1920, quando o livro é escrito.

Como será que era o contexto político no Brasil em 1927, quando este romance é publicado? O presidente era Washington Luís. O Partido Comunista Brasileiro volta à legalidade em janeiro e é tornado ilegal em agosto. Em setembro é fundada a Universidade Federal de Minas Gerais. O Rio Grande do Norte, em outubro, é o primeiro Estado brasileiro a legalizar o voto feminino. 1927 é o ano em que nascem Tom Jobim e Ariano Suassuna. Ano importante na história do Brasil.


Aug 21, 202301:00:37
CHAMADA #102

CHAMADA #102

Gravando o episódio #102 ☘

Aug 19, 202301:44
#101 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE

#101 AMAR, VERBO INTRANSITIVO - MÁRIO DE ANDRADE

Amar, Verbo intransitivo é a história de uma imigrante alemã que faz o trabalho de iniciação sexual de jovens. Ela é contratada por famílias abastadas de São Paulo, fica morando nas casas um tempo, no disfarce de empregada ou governanta, e cumpre o papel de ensinar esses garotos a fazer sexo. Baita história, né? Com essa obra, Mário de Andrade toca em uma série de questões tabu da sociedade paulistana da época em que o livro foi escrito, em 1927, quase cem anos atrás. A primeira recepção do livro achou um escândalo.

Andrade classificou o texto como “idílio”, que é um texto leve sobre amor. No texto de orelha da editora Agir diz que o romance tem cenas separadas graficamente, como cortes cinematográficos. O narrador é um alter ego de Andrade e, como o escritor, usa metáforas musicais, pela sua formação em Música, discorre sobre teorias literárias e faz crítica de arte, afinal ele publicava críticas. Ele narra como quem conta um filme enquanto tá assistindo o filme. O narrador usa linguagem coloquial brasileira, como frases começando com pronomes átonos. E também usa onomatopeias. Esse uso da linguagem era importante pra Andrade, era parte do que ele queria implantar na nossa literatura com o movimento Modernista. Andrade chamava esse jeito de falar de “linguagem brasileira”, usando as nossas expressões do dia a dia. E é um narrador que conversa com o leitor, que acessa o íntimo das personagens e também é íntimo do leitor.

Aug 12, 202301:00:39
#100 CONSELHO/O CÃO, PRADO VEPPO

#100 CONSELHO/O CÃO, PRADO VEPPO

Veppo lançou nove livros de poesia, sendo que dois deles ele eram colaborações com outros escritores da cidade. No poema “Alguém”, o eu lírico se pergunta “Quem lembrará de mim passados vinte anos”. Pois quando fazia 20 anos de sua morte, a Editora da UFSM lançou a segunda edição da coletânea Prado Veppo – Obra completa.

A poesia de Veppo traz versos curtos, geralmente sobre circunstâncias da vida e dramas humanos. Essas escolhas temáticas podem ser herança da infância difícil, em que o poeta perdeu a mãe com dois anos e o pai com 14, e também das experiências no exercício da psiquiatria. 

Jul 30, 202307:37
#99 A METAMORFOSE, FRANZ KAFKA

#99 A METAMORFOSE, FRANZ KAFKA

A Metamorfose é uma novela, o que significa que é um texto com características que diferem um pouco do gênero romance, principalmente por ser menor e com número reduzido de personagens. Essa obra, que talvez seja a mais conhecida de Kafka e foi escrita quando ele tinha 29 anos, em 1912, é a história de quando Gregor Samsa acorda transformado em um inseto. Mas o livro só foi publicado alguns anos depois, em 1915. Na minha opinião, ela trata da solidão humana. O contexto em que Kafka escreveu A Metamorfose foi a agitação pré-primeira guerra. Três anos antes da publicação, A Metamorfose estava pronta e Kafka fez uma leitura para os amigos, que teriam reagido com risadas. Então o primeiro público da novela entendeu o texto como humorado. Kafka levou apenas 20 dias para escrever esse que é um dos textos mais perturbadores da história da literatura.

Jul 18, 202335:17
#98 VESTIBULAR, FERREIRA GULLAR

#98 VESTIBULAR, FERREIRA GULLAR

O poema começa com o nome completo do jovem que não passou no vestibular. É interessante o nome completo iniciar o poema, porque antigamente os vestibulandos ansiavam por escutar o seu nome completo no rádio, anunciando a aprovação. Era uma hora muito esperada, a família toda ficava silenciosa escutando o listão das universidades, esperando escutar o nome completo. Essa abertura funciona como uma compensação a Paulo Roberto Parreiras, que não passou, não escutou seu nome no listão, portanto, mas tem o nome dito pelo eu lírico, pela voz narrativa do poema. Ao longo do texto, o poeta faz referência a outras perdas da juventude, no Brasil e no mundo. Cita outros jovens que sofrem injustiças ou que simplesmente não tiveram chances na vida, no mesmo dia em que Paulo Roberto fica sabendo da reprovação. Morreu um que tomava entorpecentes em NY, outro em SP que tinha sido preso roubando carro.

Jun 12, 202311:26
#97 CANTO GERAL, PABLO NERUDA

#97 CANTO GERAL, PABLO NERUDA

Ricardo Eliecer Naftali Reyes y Basoalto é o nome de batismo do poeta que alterou legalmente seu nome para Pablo Neruda. Ele nasceu em 1904 no centro do Chile, mas foi ainda bebê morar no sul, em Temuco. E dizia que essa pequena aldeia, Temuco, é a paisagem essencial de sua poesia. Quando Neruda nasceu, o Chile tinha passado por uma guerra civil há uns 15 anos, que transformou o país em uma República Parlamentar. Em 1971, Neruda recebeu o prêmio Nobel de Literatura. Além de poeta, ele foi diplomata e representou o Chile em diversos países.

Eu tinha pensado em falar do Neruda desde fevereiro, quando saiu uma notícia de que ele foi morto por envenenamento, em 1973.  Segundo notícia no site G1, o corpo do poeta foi exumado há dez anos, em função de uma denúncia de assassinato, e no início deste ano um grupo de especialistas entregou um relatório à justiça do Chile, concluindo que a sua morte foi por envenenamento. A causa oficial da morte é câncer de próstata. Mas quem teria envenenado Neruda? O ano da morte dele coincide com o do golpe militar de Augusto Pinochet. Bom, Pinochet e sua ditadura mataram muitos opositores do governo, e Neruda era abertamente comunista.

Jun 03, 202315:00
CAMÕES - AULA 6

CAMÕES - AULA 6

Dicas sobre Camões

Mar 21, 202324:07
#96 COM LICENÇA POÉTICA, ADÉLIA PRADO

#96 COM LICENÇA POÉTICA, ADÉLIA PRADO

O poema de Adélia, Com licença poética, abre o seu primeiro livro, Bagagem. Nesse poema, a escritora destaca as dificuldades que as mulheres enfrentam desde nascer. Mulher nasce pra segurar bandeira, ou seja, está sempre precisando defender alguma causa, defender o seu espaço, se fazer ouvir. Mas encerra com uma imagem positiva, de que o feminino teria o dom de se livrar de maldições pela capacidade de ser desdobrável, quer dizer, mulheres são flexíveis, se adaptam. O eu lírico sugere que as mulheres teriam vocação ancestral para a alegria. Notem que o anjo que se comunica com o eu lírico de Drummond é torto e vive na sombra, mas o anjo do eu lírico do poema de Adélia é esbelto, toca trombeta e, ao invés de profetizar um destino ruim, como o outro, ele atribui à recém-nascida uma função, a de segurar bandeira.

Mar 05, 202306:55
#95 O FATO COMPLETO DE LUCAS MATESSO, LUANDINO VIEIRA

#95 O FATO COMPLETO DE LUCAS MATESSO, LUANDINO VIEIRA

José Luandino Vieira é o pseudônimo de José Vieira Mateus da Graça, que nasceu em Portugal, em 1935. Logo aos três anos a família muda para Angola, então colônia de Portugal. A ligação do escritor com a capital, Luanda, é tanta, que ele usa como nome artístico Luandino. E não fica só na admiração, não. Luandino foi ativo na luta pela independência de Angola em relação a Portugal, e por esse motivo foi preso político por mais de uma década, sendo que ficou preso oito anos no campo de concentração Tarrafal, em Cabo Verde. Boa parte de sua obra literária foi produzida durante o confinamento. Este ano o autor faz 88 anos e atualmente mora em Portugal.

Antes de falar mais sobre Luandino Vieira, vamos entender um pouco da história de Angola. A República da Angola é um país africano, do oeste da África, de território extenso e com litoral voltado ao Oceano Atlântico. Portugal chega a Angola no período das grandes navegações, em 1482. Angola foi colônia portuguesa desde o século XV até a independência, em 1975. Tem a Língua Portuguesa como idioma oficial, portanto. Outros países que foram colônias portuguesas na África foram Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Só que não são territórios contíguos.

Feb 21, 202350:17
#94 ISMÁLIA, ALPHONSUS DE GUIMARAENS

#94 ISMÁLIA, ALPHONSUS DE GUIMARAENS

Alphonsus de Guimaraens é o pseudônimo do poeta mineiro Afonso Henriques da Costa Guimarães, que viveu entre 1870 e 1921. Essa mudança que ele fez no nome é uma latinização, para combinar com os hinos católicos que ele gostava e para dar um ar místico ao seu nome de escritor. Ele escreveu dentro da estética do Simbolismo. Quando ele tinha 17 anos, morreu uma prima que ele considerava como noiva e ele ficou muito abalado.

Jan 29, 202314:13
#93 A NOIVA, MAEVE BRENNAN

#93 A NOIVA, MAEVE BRENNAN

O conto é “A noiva”, uma tradução minha do conto “The Bride”, que consta no livro The Rose Garden, uma compilação publicada no ano 2000, com contos da Maeve Brennan (1917-1993) em que quase todas as histórias se passam em Nova York.

Jan 16, 202347:34
#92 TRILOGIA DA TERRA ESPANHOLA, LUCIANA FERRARI MONTEMEZZO (FEDERICO GARCÍA LORCA)

#92 TRILOGIA DA TERRA ESPANHOLA, LUCIANA FERRARI MONTEMEZZO (FEDERICO GARCÍA LORCA)

Trilogia da Terra Espanhola traz três peças traduzidas por Luciana Ferrari Montemezzo do poeta e dramaturgo espanhol, Federico García Lorca, além dos comentários da tradutora. As peças são Bodas de sangue, Yerma e A casa de Bernarda Alba.  Vamos saber um pouco sobre o autor? Federico García Lorca viveu entre 1898 e 1936. Morreu com apenas 38 anos, assassinado no início da Guerra Civil Espanhola, que aconteceu entre 1936 e 1939.

Jan 08, 202326:26
#91 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - FINAL

#91 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - FINAL

Na leitura de hoje, teve um fragmento em que o escritor José de Alencar alfineta os leitores brasileiros sobre preferirem os títulos estrangeiros e não darem tanta atenção à literatura nacional. Tava doído quando escreveu isso, o Alencar. E aí ele usa um recurso que é a intertextualidade, que é quando um texto cita outro, ou metatextualidade, quando um texto reflete sobre si mesmo ou reflete sobre o fazer literário, e cita Diva, um romance dele próprio, publicado em 1864 e que, junto de Lucíola, de 1862, e Senhora, compõe os perfis femininos de Alencar e está inserido na segunda fase do romantismo brasileiro, que foi a fase do ultrarromantismo, com mulheres e relacionamentos idealizados. Diva não é uma continuação de Lucíola, mas o narrador de um livro conhece o narrador do outro, como fica evidente pela epígrafe em Diva, uma brincadeira do autor com seus leitores. Quando cita Divana narrativa de Senhora, Alencar é irônico, porque se refere aos críticos da obra que, sem querer, atiçam a curiosidade dos leitores e acabam por recomendar o livro.

Numa parte que eu não li, a protagonista faz uma festa em casa e valsa com o marido. Eles estão casados há meses e nunca se encostaram. A tensão sexual entre eles e os rodopios da valsa fazem com que Aurélia desmaie. O ato de mulheres desmaiarem é muito comum nas narrativas românticas, que colocam as personagens femininas como seres suscetíveis às emoções, de forma que os sentimentos as afetam fisicamente. E qualquer emoção mais forte é motivo pra desmaio! Então a mocinha desmaiar é bem característico da segunda fase do romantismo.

Dec 05, 202251:52
#90 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 4

#90 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 4

Na leitura de hoje, vimos que Seixas chegou a ficar noivo de Aurélia, mas recebeu a proposta de Amaral, com um dote de 30 contos para a filha, e optou pelo melhor negócio. Essa proposta do Amaral foi um incentivo do Lemos, que queria Aurélia com o noivado desfeito e frustrada pelo desprezo, para concordar com o empreendimento que ele tinha em mente para a sobrinha. Que me parece que era agenciar Aurélia como prostituta. Queria lucrar com a sobrinha, com quem ele nunca se importou antes.

Vimos que Seixas não tem firmeza de propósitos. Vai passar um tempo no campo, pra se recuperar de tanta festa na cidade e sai com a intenção de ficar dois meses, mas aguenta quando muito quinze dias. E notem que no Português da época da escrita do romance, 1875, dizia-se “dous”, e não dois. O que a personagem Seixas não conseguia de jeito nenhum era renunciar à vida elegante. O código de etiqueta ao qual essa personagem responde aceita falta de ética, como trair amigos, insinuar esperanças de casamento, mentir às mulheres. Nesse fragmento está contida uma crítica à etiqueta dos salões.

Nov 14, 202201:14:24
#89 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 3

#89 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 3

No último episódio aqui do LO, vimos que Seixas conhece a noiva Aurélia e ela finge que não sabe do arranjo do casamento. Arranjo esse determinado por ela própria, que queria oferecer um dote a Seixas porque ele havia a rejeitado anos atrás, quando ela era pobre. Aí reviravoltas de romance romântico, Aurélia ganha uma herança, fica podre de rica e manda o tutor arrumar o casamento com esse crush do passado.

O romance Senhora foi publicado em 1875 e pertence à segunda geração do romantismo, que é a fase de ultrarromantismo, com relações idealizadas e mulheres descritas muito diferentemente do que são as mulheres da realidade. José de Alencar fez parte da elite política e intelectual do Brasil Império, e escrevia sobre os costumes e as práticas desse grupo, como os casamentos arranjados.

Oct 19, 202201:05:43
MAEVE BRENNAN PARA UNIFESSPA/FALET - AULA 5

MAEVE BRENNAN PARA UNIFESSPA/FALET - AULA 5

Esse vídeo corresponde à segunda aula do Minicurso "No place is home": Literatura de Migração em contos de Maeve Brennan, para a UNIFESSPA/FALET, em 5 de outubro de 2022. A aula 1, infelizmente, não foi gravada.  

Errata: Os outros textos de Maeve Brennan que falam nas mudanças em Nova York estão em The Long-Winded Lady (1998). Em The Springs of Affection (1997), o cenário dos contos é a Irlanda.  

Obrigada  à Unifesspa/Falet pelo espaço, à professora Dra. Suellen Cordovil e aos participantes.  O conteúdo da aula é parte da minha pesquisa de pós-doutorado pelo programa de Pós-Graduação em Estudos Literários UFSM (PPGL) com apoio do CNPq.

Oct 06, 202201:38:08
#88 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 2

#88 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR - PARTE 2

Eu terminei a leitura do último episódio com a apresentação de Seixas, um homem de menos de 30 anos. O narrador inicia a apresentação pela casa dele, pra contrastar entre a pobreza da casa e o luxo com que ele vive. O narrador realça a alvura da pele de Seixas. A descrição do pé, que é arqueado na forma aristocrática. Ser aristocrata significa que a pessoa nasceu em determinada família, com posses e títulos, e isso não tem nada a ver com características físicas. Dizer que o pé, que o arco é na forma aristocrática é tão absurdo quanto quando os nazistas diziam que ter olhos azuis era sintomático de superioridade racial, é uma bobagem preconceituosa. Com essa valorização de determinadas características físicas, principalmente a branquitude, o escritor José de Alencar colabora para reforçar na mentalidade brasileira uma suposta superioridade racial, na qual ele provavelmente acreditava, tendo em vista seu posicionamento diante da manutenção da escravidão. Só que imaginem como é que bate pras gerações e gerações de crianças pretas que precisaram ler esse livro no colégio? 

Sep 05, 202201:04:55
LISÍSTRATA - A GREVE DO SEXO, ARISTÓFANES, com a Prof. Dra. Valéria de Castro Fabrício, FAIXA BÔNUS 9

LISÍSTRATA - A GREVE DO SEXO, ARISTÓFANES, com a Prof. Dra. Valéria de Castro Fabrício, FAIXA BÔNUS 9

Bate papo sobre a peça Lisístrata - A greve do sexo, de Aristófanes Com a professora dra. Valéria de Castro Fabrício

Aug 01, 202233:14
#87 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR

#87 SENHORA, JOSÉ DE ALENCAR

Primeiro, vamos saber um pouco sobre o autor e o tempo de produção da obra. José Martiniano de Alencar foi escritor, advogado, trabalhou como jornalista e político também. Nasceu em 1829, no Ceará, e morreu em 1877, com apenas 48 anos, no RJ.

Foi um dos principais autores do romantismo brasileiro, tendo publicado tanto na fase indianista quanto na fase romântica. Da fase indianista, destaque para Iracema e O guarani, sendo que O guarani serviu de inspiração para a ópera de mesmo nome, do maestro Carlos Gomes. Alencar participou da Academia Brasileira de Letras, indicado por Machado de Assis. O pai do José de Alencar foi senador do Império, então a família muda para o RJ quando ele ainda é criança. Na política, Alencar defendia um governo forte e a abolição gradativa da escravatura. Daí as críticas atuais ao escritor, que não teve um posicionamento humanitário.

Alencar escreveu romances históricos, indianistas, regionalistas, mas Senhora é de uma fase de textos urbanos, quer dizer, que têm como cenário a cidade. Senhora é um perfil feminino, e Alencar escreveu outras protagonistas femininas, como Iracema e Lucíola. Senhora é de 1875, portanto um dos últimos livros dele, publicado pouco antes de morrer.

Jul 26, 202259:08
#86 O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS, MANOEL DE BARROS

#86 O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS, MANOEL DE BARROS

No episódio de hoje quero ler uma poesia das coisas simples, pra acalmar a turbulência que tem sido a vida do brasileiro. Vamos de Manoel de Barros, com O apanhador de desperdícios. Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá, capital do Mato Grosso, em 1916, e faleceu em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, em 2014, aos 97 anos. Pra mim, ele é o poeta da simplicidade, do encantamento com a natureza, minimalista.

Manoel de Barros pertenceu à Geração de 45 e foi associado ao pós-Modernismo. Recebeu vários prêmios, entre eles 2 Jabutis. A poesia O apanhador de desperdícios está no Livro sobre nada, de 1996. Ele se formou em Direito e participou da União da Juventude Comunista quando era jovem.

Jul 03, 202206:51
#85 MICHAEL KOHLHAAS, HEINRICH VON KLEIST

#85 MICHAEL KOHLHAAS, HEINRICH VON KLEIST

Michael Kohlhaas é uma história escrita no século XIX, mas ambientada no século XVI. É a história de um criador de cavalos que sofre uma injustiça, busca reparação no sistema judiciário e, não conseguindo, decide fazer justiça por conta própria, iniciando uma guerra que põe em choque as velhas práticas de justiça medieval e o direito moderno ao livre comércio. Então é uma história que contrapõe justiça medieval e direito moderno; feudalismo e formação de Estados Nacionais.

Uma das ponderações a que esse romance nos convida e que eu quero chamar atenção de vocês, é sobre até que ponto vale a pena buscar justiça, buscar reparação na justiça. E se, em alguns casos, alguns danos simplesmente não podem ser reparados e buscar justiça só aumenta a bola de neve de injustiças e de sofrimento. Neste romance, Michael sofre uma injustiça e se volta contra o sistema, se torna um fora da lei em busca de reparação pessoal, só que com isso ele gera uma série de injustiças para outras pessoas, que não tinham nada a ver com o caso dele, e acaba por perder tudo. Então, nessa história, a busca por reparação não compensou.

O autor Kleist foi uma grande influência para Franz Kafka, escritor tcheco do clássico A metamorfose, entre outros títulos. Esses dois escritores têm um estilo de escrita que lembra o estilo burocrático, a forma como documentos do campo jurídico são escritos. E a história de Michael Kohlhaas, que é o título e também o nome do protagonista, apesar de ser um livro escrito há 200 anos e da narrativa se desenrolar no século XVI, é super atual. Em essência, a condição humana e sua busca por justiça ou por reparação continua a mesma.

May 11, 202259:38
#84 O RÉQUIEM DO PÁSSARO DA MORTE, ANDRIO SANTOS

#84 O RÉQUIEM DO PÁSSARO DA MORTE, ANDRIO SANTOS

E é essa atmosfera do gótico e do fantástico sombrio que Andrio Santos traz no seu primeiro livro, O réquiem do pássaro da morte.  Pra gente começar a falar do romance, tu sabe o que é “réquiem”, essa palavra que aparece no título? Réquiem é uma palavra com origem religiosa, na igreja católica é uma missa oferecida pelo descanso de uma alma, mas também pode ser uma composição, uma música relacionada a um texto litúrgico da missa dos mortos, que sempre inicia com as palavras latinas para “repouso eterno”.

Só por essa palavra do título, e por ser o réquiem que é do pássaro da morte, só pelo título, a gente pode presumir qual é a atmosfera dessa narrativa, porque tanto réquiem quanto a presença de “pássaro da morte” remete à passagem, a transitoriedade da vida pra morte.

Apr 25, 202225:29
#83 ULISSES, UM SÉCULO DA ODISSEIA DE UM HERÓI POSSÍVEL

#83 ULISSES, UM SÉCULO DA ODISSEIA DE UM HERÓI POSSÍVEL

Hoje vou ler um ensaio meu, publicado em fevereiro, no site Paralelo29, sobre os 100 anos da publicação de Ulisses, de James Joyce.

Este ano é o centenário também do Estado Livre Irlandês, um processo que começa em 1919 e é legitimado em 1922, em que a Inglaterra reconhece a independência do Estado Livre Irlandês ou Estado Moderno Irlandês. Nesse ano, 1922, também ocorre a divisão política da Irlanda, entre sul e norte, com o norte vinculado à Grã-Bretanha, como é até hoje. Até então era um domínio dentro do Império Britânico. Mas é somente a partir de 1949 que a Irlanda é reconhecida como República, pelo Ato da República da Irlanda.

Apr 19, 202215:03
#82 SEMINÁRIO DOS RATOS, LYGIA FAGUNDES TELLES

#82 SEMINÁRIO DOS RATOS, LYGIA FAGUNDES TELLES

“Seminário dos ratos” é o décimo terceiro conto do livro homônimo de Lygia Fagundes Telles, publicado em 1977, durante a ditadura civil/militar brasileira, portanto. A gente já viu que a escritora foi engajada e participou de um ato contra a censura um ano antes dessa publicação. O conto é em terceira pessoa, tem um narrador nos contando tudo, mas tem bastante diálogo também.

A narrativa se desenrola em um sítio, onde vai acontecer o VII seminário dos ratos. Estão ali as autoridades convidadas a participar do seminário e as personagens principais, o RP, relações públicas, e o secretário. Além dos funcionários, cozinheiros.

As personagens principais não têm nomes, são referidos pelos seus cargos. São o chefe das relações públicas e o secretário do bem-estar público e privado. Com isso, há uma despersonalização dessas personagens, que ficam representadas pelas suas funções, e não pela sua humanidade.

Apr 11, 202253:25
#81 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - FINAL

#81 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - FINAL

Por aqui, estamos no final da leitura comentada de O crime do padre Amaro, de Eça de Queiroz, obra lançada em 1875, em Portugal.

No último episódio, vimos que Amélia está confinada no sítio, com a madrinha Josefa, escondida da mãe e da sociedade de Leiria. Ela está sendo orientada pelo abade Ferrão a esquecer Amaro e casar com João Eduardo. Essa leitura mostrou um aspecto bem naturalista do romance de Queiroz. O narrador fala que Amélia está mudando em relação a Amaro porque se afastou do ambiente onde a paixão pelo padre foi estimulada, numa referência ao meio que contamina e influencia a conduta das personagens, tal como o Naturalismo preconizava.

João Eduardo tá morando ali perto, como preceptor dos filhos do morgado, ou seja, professor particular do proprietário da fazendo ali ao lado. Josefa detesta Amélia por ela ter engravidado e Amaro torce pra que a criança nasça morta.

Apr 04, 202201:11:27
#80 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 11

#80 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 11

O crime do padre Amaro é uma crítica aos setores conservadores da sociedade portuguesa, descreve os efeitos destrutivos do celibato em um padre de caráter fraco, e mostra os perigos do fanatismo em uma sociedade provinciana portuguesa. Esse livro abre o período realista em Portugal e faz uma sátira sobre o ideal romântico da paixão, dos enlaces idealizados. Queiroz volta a fazer sátira sobre os romances românticos em dois outros grandes títulos seus: O primo Basílio (1878) e Os maias (1888). Em todos eles, o autor está interessado em descrever grupos da classe média alta portuguesa, clerical ou aristocrática, e sua degeneração, corrupção e decadência. Ao ficcionalizar a realidade de seu tempo, Queiroz critica um idealismo romântico em que o desejo alienado impede a percepção de sinais denunciadores do que está inadequado.

Já nos últimos romances que escreveu, Queiroz optou por mais sentimentalismo, como é o caso do A cidade e as serras (1901). Geramente é ao contrário, né? A pessoa mais jovem escreve mais sentimentalmente, e conforme amadurece escreve de forma mais realista. Mas Eça de Queiroz foi fora da curva.

Mar 28, 202201:17:27
#79 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 10

#79 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 10

Na leitura de hoje, vimos que Totó não anda, mas enxerga, escuta e fala muito bem. Só que Amaro e Amélia, usando o quarto do pai dela pra se encontrar, não pensaram que a doente fosse contar para alguém dos encontros secretos.

Amélia está totalmente sob o domínio de Amaro. Ele não deixa que ela leia romances e poesias. Havia, na época em que O crime do padre Amaro foi escrito, que é final do Romantismo e início do Realismo, a crença por parte de algumas pessoas que ler literatura deixava as mulheres enlouquecidas, estimulava ideias inadequadas nas mulheres. O que a gente sabe que... é a mais pura verdade, né? Não só nas mulheres, todos que leem passam a interpretar e ler o mundo melhor. E aí são tidos como subversivos, porque passam a questionar, a conseguir argumentar melhor, a organizar os pensamentos de forma a se expressar mais claramente. Tudo isso é efeito da leitura e é muito bom. Mas não é visto com bons olhos por quem quer subjugar outras pessoas. É por esse motivo que governos autoritários querem mudar a grade curricular de forma a diminuir a carga horária de disciplinas que estimulam a criticidade, por intermédio da leitura. Então querem mais ensino profissionalizante, com disciplinas técnicas, e menos horários de literatura, língua portuguesa, filosofia, sociologia, artes. É importante que a sociedade se posicione contra esse tipo de mudança, porque quem não desenvolve criticidade por meio dessas disciplinas, fica mais vulnerável a ser explorado por empresários e por governos. E no século XIX alguns homens tinham esse receio de que mulheres leitoras pudessem se revoltar contra sua condição de servidoras dos homens.

Mar 21, 202201:03:51
#78 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 9

#78 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 9

Ainda no capítulo 14, numa parte que eu não li, o padre Natário encontra um livro de João Eduardo na casa de Joaneira, e avisa as beatas que por ter batido num padre, João está excomungado. E assim todos os objetos dele estão excomungados. Aí as velhas perguntam a Amélia por todos os objetos que o rapaz tivesse esquecido na casa, para queimar, num fanatismo beato. Reviram as gavetas de Amélia em busca de alguma outra coisa dele. Pegam os objetos com as pontas do xale pra não encostar e se contaminar. E todo esse fanatismo estimulado e assistido pelos padres, Dias, Natário e Amaro, que riam enquanto as mulheres atiravam os objetos ao fogo.

A empregada de Amaro adoece e quem assume é a irmã dela, Dionísia, uma personagem que tinha sido citada como a devassa de Leiria, que no passado teve amantes e que agora é considerada pelas beatas como uma perdida, porque não frequenta igreja. O nome das personagens não é por acaso. Dionísia lembra Dioniso, deus grego do vinho, das festas, do teatro, protetor dos que não pertencem à sociedade convencional, exatamente como é essa personagem, que não segue os costumes das outras de frequentar igreja. Dionísia é livre em relação ao seu corpo e seus desejos, não se submete ao discurso da igreja e consequentemente é menosprezada na cidade. Ela é considerada um antro de pecados pelas beatas, mas quem de fato é Dionísia? Uma mulher bem mais livre que as outras. Diante do fato de estar com ela como criada, surge a ideia de Amaro voltar a morar na casa de Joaneira.

Mar 14, 202201:05:14
#77 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 8

#77 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 8

João Eduardo recebe a carta de Amélia, desfazendo o noivado. Ele vai pedir ajudar para aqueles que ele chama de doutores, que são o advogado e o médico da cidade. O advogado é o dono do jornal, Godinho, que escorraça e proíbe que ele escreva outros artigos. Quando precisou do escrevente para publicar algo que alfinetasse o clero, achou bom, mas agora não quer se indispor com os padres. Agora que João pede para escrever novamente, Godinho diz que o jornal é de ideias, não pode ser transformado em jornal de difamações. Quando era do interesse dele difamar os padres, o escrevente veio a calhar. O advogado diz que o sacerdócio é indispensável numa sociedade bem constituída, mesmo ele não gostando da religião, como declarou num capítulo anterior, quando disse que era conveniente ter a igreja para ocupar as mulheres. A força da igreja vinha em parte desse comodismo das pessoas em achar que as coisas eram como eram e de temer mudanças, de temer pensar criticamente o papel do catolicismo naquela sociedade. João Eduardo se sente usado, faz uma leitura correta de que está nessa situação porque é pobre, mas ainda não enxerga que Amélia também quer o padre, e acha que precisaram convencer ela de desistir do casamento.

O médico, Gouveia, é um representante da ciência, do racionalismo. Ele tem na sala um retrato da coroação da Rainha Vitória, da Inglaterra, representante do anglicanismo. Cita a lei do mais forte para resumir a contenda entre João e o padre pela atenção da moça. Vê tudo em termos racionais e científicos, não se surpreende nem se assombra pelo fato de um padre roubar a noiva do outro.

Mar 09, 202201:11:39
#76 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 7

#76 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 7

Por aqui no LO, estou lendo o romance que iniciou o período do Realismo em Portugal. É O crime do padre Amaro, de 1875, do escritor Eça de Queiroz. Queiroz foi escritor de dezenas de romances, mas poucos ele viu serem publicados em vida. O crime do padre Amaro ele publicou, mas a maioria de sua obra foi publicação póstuma.

No último episódio, João Eduardo, noivo de Amélia, escreve um comunicado anônimo pro jornal de Leiria, falando os podres dos padres que frequentam a casa da Joaneira. Amaro fica todo errado de ver o namorico dele exposto no jornal. O padre Natário tenta fechar o jornal com ajuda da autoridade local, mas o homem no cargo representa o ideal do Iluminismo, da razão sobre a religião. Nenhum deles percebe que o comunicado só podia ter sido escrito por alguém que também frequenta a casa. O João Eduardo é quem se deu bem no capítulo 10, fica orgulhoso da sua publicação, afasta Amaro da casa da Joaneira, recebe a promessa da promoção no emprego e, com isso, pode pedir a mão de Amélia.

Feb 28, 202257:54
#75 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 6

#75 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 6

Estou lendo o romance O crime do padre Amaro, de Eça de Queiroz, publicado pela primeira vez em 1875. No último episódio, vimos que Amaro saiu da casa da Joaneira, culpado por ter dado uma beijoca em Amélia. Quer dizer, não muito culpado, mais com medo de se dar mal, caso ela contasse. Foi morar numa espelunca e passou um tempo sem ver Amélia, muito revoltado pela solidão a que os padres são condenados. Ele tem esse entendimento de que a forma como a profissão é organizada, proibindo casamento, condena os padres à solidão. Depois ele volta a frequentar a casa da Joaneira nas noites de jogos e mantém um clima de namoro com Amélia. O noivo, João Eduardo, percebe.

Feb 18, 202201:16:49
#74 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 5

#74 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 5

No último episódio, vimos que Amaro flagrou Joaneira e o cônego Dias no quarto e que Amaro deu um beijo em Amélia. Quando isso aconteceu, ele tinha acabado de sair de um almoço de aniversário, em que um padre chamado Natário falava que padres não tem o poder da absolvição, que isso só cabe a Deus. Ele lembra os colegas que são humanos, às vezes estão ouvindo as confissões empanturrados de tanto comer, às vezes com dor de barriga. Isso tudo vai fazendo com que Amaro ande mais pro lado de fazer o que lhe dita o instinto mesmo, e menos pro lado de ser um padre muito convicto. Todas as ações dos padres daquela comunidade são no sentido contrário do que deveriam agir. Falam mal dos pobres, admitem casos com mulheres, comem e bebem demais, usam a confissão pra manipular as mulheres e tomam partido na política, chegando a mentir que têm cartas assinadas por Maria, mandando que votem em determinado candidato.

Com isso, colocando esse discurso mundano na voz de uma personagem que é padre, o padre Natário, Eça de Queiroz está colocando as duas mãos nos ombros do leitor, sacudindo o leitor e falando “pensa, criatura!”. Pensa se é certo que a religião, que os padres controlem tanto assim a tua vida. Pensa se precisa demasiadamente da confissão, escutada afinal de contas por pecadores como tu! Sejam críticos, leitores! Não sejam adulões desse ou daquele, não chamem político de mito, por exemplo!

Jan 15, 202201:03:52
#73 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 4

#73 O CRIME DO PADRE AMARO, EÇA DE QUEIROZ - PARTE 4

No último episódio, uma reunião de carolas na casa de Joaneira dá o tom de como é aquela comunidade. Muita influência da igreja, uma fé meio exagerada das beatas e a convivência de padres na casa da Joaneira e da Amélia. Amélia cresce no meio de padres e no ambiente da igreja. Mas é tudo temperado de uma certa perniciosidade e um pseudomoralismo.

A gente viu sobre o passado de Amélia, que não lembra do pai, só de padres frequentando a casa dela até altas horas. Ela sofreu uma decepção amorosa e pensou em ser freira, até porque tem muita intimidade com o ambiente religioso. Está noiva de João Eduardo, que é uma personagem que destoa por ser a voz da ciência dentro do romance.

Jan 04, 202201:08:51