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Taverna do Lugar Nenhum

Taverna do Lugar Nenhum

By Gabriel Vince

O intuito desse podcast é falar sobre assuntos que me interessam, fomentar discussões diversas e também conhecer pessoas que compartilham dos mesmos interesses que eu.

Os temas aqui serão livres pretendo falar de livros, filmes, comportamento, cultura, quadrinhos, política, religião e o que vier na telha.
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Sonhos Elétricos - Philip K. Dick (Parte 3)

Taverna do Lugar NenhumJan 24, 2022

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27:39
O TAL MUNDO MODERNO

O TAL MUNDO MODERNO

Podcast com reflexões sobre o mundo moderno, a tradição, o cristianismo e as noções de transcendencia e verdade.

Aug 16, 202352:32
Necronomidol - Lovecraft, Black Metal, Darkwave, J-Pop e Dancinhas

Necronomidol - Lovecraft, Black Metal, Darkwave, J-Pop e Dancinhas

Como o niilismo cósmico da literatura de Lovecraft entrou no mundo do Idol japonês, eu não faço a menor ideia.


O Necronomidol é um grupo espantosamente eclético que mistura J-Pop, Darkwave, AOR e Black Metal (entre outros estilos) em músicas com temáticas lovecraftianas surpreendentemente aprofundadas e... dancinhas.


Não sei bem por que isso deu certo, confira o programa e me ajude a entender.

Aug 09, 202325:59
Akira Kurosawa (Parte 21): Velhice (Dersu Uzala e Madadayo)

Akira Kurosawa (Parte 21): Velhice (Dersu Uzala e Madadayo)

Eis finalmente o último episódio da série de podcasts sobre a filmografia de Akira Kurosawa.


Aqui eu falo de dois filmes: Dersu Uzala de 1975 e Madadayo de 1993, o último filme de Akira Kurosawa.


Dersu Uzala" e "Madadayo" são filmes que abordam os temas crepusculares da velhice e do legado.


Em "Dersu Uzala", acompanhamos a amizade entre o explorador russo Vladimir Arsenyev e o velho caçador Dersu Uzala. Apesar das diferenças culturais, eles desenvolvem um vínculo especial, e Dersu compartilha sua sabedoria sobre a natureza e a vida, enriquecendo a perspectiva de Vladimir.


Já em "Madadayo", o professor Uchida Hyakken se aposenta após trinta anos lecionando literatura alemã para se dedicar à escrita. Seus ex-alunos o visitam todos os anos, demonstrando respeito e gratidão pelas lições ensinadas ao longo do tempo.


Ambos os filmes nos convidam a refletir sobre a efemeridade da vida e a importância de valorizar o presente.


A velhice é retratada como uma fase de transição, na qual experiências e conexões se tornam preciosas.


Essas obras cinematográficas inspiram-nos a enxergar a velhice com maturidade, refletindo sobre nossa própria relação com o tempo e com a busca por uma vida valorizando aquilo que de fato importa.


Espero que gostem.

Aug 01, 202327:26
A Cama de Procusto e as Ideologias Modernas

A Cama de Procusto e as Ideologias Modernas

Procusto é um famoso personagem da mitologia grega. Ele era um bandido que vivia em uma pousada na antiga Grécia e possuía uma cama de ferro. O nome Procusto deriva do verbo grego “prokrouo”, que significa “estender à força” ou “esticar”.

A característica marcante de Procusto era seu método cruel de receber os viajantes. Quando alguém se hospedava em sua pousada, ele o convidava a deitar-se em sua cama de ferro. Se o viajante fosse menor do que a cama, Procusto o amarrava e esticava seus membros até que se adequassem ao tamanho da cama. Por outro lado, se o viajante fosse maior, Procusto cortava seus membros para que ele se encaixasse na cama.

Em ambos os casos, a vítima sofria.

Sob a luz desse mito, Ortega y Gasset vai nos revelar um pouco sobre a característica de algumas filosofias ou correntes de pensamento modernas.

Ele começa, em seu livro “O que é a Filosofia?”, a desenhar a confusão da exatidão com suficiência.

Segundo o filósofo, a diferença entre verdade científica e verdade filosófica é que a primeira é exata, mas insuficiente, enquanto a segunda é suficiente, mas não exata.

Esse é um problema da incompletude de uma ideia humana sobre a realidade. Quando buscamos uma verdade, buscamos ela em sua plena exatidão e sua plena eficiência.

Por isso mesmo foi muito tentador para o desenvolvimento do pensamento humano buscar uma ideia que conjugue tudo isso.

Isso é o que algumas filosofias modernas tentam resolver ao se afirmarem tanto como verdade científica (considerando toda a história das ideias anteriores como utopia ou idealismo) quanto como verdade filosófica (considerando que toda filosofia anterior é a mera pavimentação para o surgimento da última – uma espécie de concepção messiânica que foi muito bem esclarecida por Eric Voegelin).

O problema é que essas filosofias que buscam ser ao mesmo tempo verdades filosóficas e verdades científicas acabam não sendo nem uma coisa nem outra.

Não que isso seja impossível, mas até agora o que vimos são filosofias que transitam num espaço intermediário e incerto entre as duas.

Quando você pede para essas filosofias prestarem contas em um campo, logo elas se abrigam no outro.

Os ideólogos dessas filosofias são como Procusto, que mutilam ou distorcem a realidade como se ela fosse o viajante da narrativa do mito, buscando conformar a realidade em “sua cama”.


Leia mais aqui:

https://tavernadolugarnenhum.com.br/miscelanea/a-cama-de-procusto-e-as-ideologias-modernas/

Jul 07, 202327:20
Akira Kurosawa (Parte 20): Kagemusha - A Sombra de um Samurai

Akira Kurosawa (Parte 20): Kagemusha - A Sombra de um Samurai

Apesar de não ser tão lembrado quanto outros filmes do mesmo estilo, como “Sete Samurais” e “Yojimbo“, “Kagemusha” recebeu um reconhecimento imediato e quase unânime da crítica mundial quando foi lançado, e até hoje é considerado um dos épicos de samurai mais majestosos, pictóricos e ambiciosos da história do cinema.

Jul 04, 202331:60
Akira Kurosawa (Parte 19): Yojimbo e Sanjuro: Chanbara, Wester e Humor Negro

Akira Kurosawa (Parte 19): Yojimbo e Sanjuro: Chanbara, Wester e Humor Negro

Um podcast sobre dois clássicos do cinema Chanbara de Akira Kurosawa.

Yojimbo: O Guarda Costas é um filme de 1961 e Sanjuro é um filme de 1962.


Ambos os filmes vieram na esteira de Sete Samurais (1954) e Fortaleza Escondida (1960) – filmes que se tornaram marcantes na faceta mais conhecida de Akira Kurosawa como diretor de épicos samurais.


Estes filmes carregam algo único na carreira de Kurosawa não explorado em nenhum dos seus filmes com tanto vigor: o humor negro.


Podcast disponível em todas as plataformas e inclusive no Youtube.


Jun 21, 202326:47
Akira Kurosawa (Parte 18): A Fortaleza Escondida é mais importante que Sete Samurais

Akira Kurosawa (Parte 18): A Fortaleza Escondida é mais importante que Sete Samurais

A Fortaleza Escondida é um filme de 1958 dirigido por Akira Kurosawa e estrelado por Toshiro Mifune e a belíssima Misa Uehara.


Este filme é o que melhor representa o termo “subestimado”.


Apesar de ser  um filme pouco lembrado, trata-se de um mais importantes filmes da história do cinema e está marcado para sempre como a principal influência de uma das obras mais importantes da cultura pop: Star Wars.


Segundo George LucasA Fortaleza Escondida o influenciou em quase tudo criação do seu magnum opus, desde a narrativa da princesa perseguida (no caso, a princesa Leia) quanto pela técnica de contar o filme pela visão de dois personagens coadjuvantes com flertes cômicos (no caso, C-3PO e R2-D2).


A história do filme se passa em um Japão castigado por uma intensa guerra entre clãs.

Aqui, acompanhamos a saga dramática e cômica de dois camponeses: Tahei (interpretado por Minoru Chiaki) e Matashichi (interpretado por Kamatari Fujiwara).


Esses dois personagens possuem uma relação difícil e ambígua entre si, sempre oscilando entre a amizade e a trapaça, entre a briga e a camaradagem.


No filme, ambos estão fugindo da destruição causada por uma das batalhas dessa guerra de clãs.


Durante a fuga, eles encontram o general Rokurota Makabe (interpretado por Toshiro Mifune), que está escoltando  a princesa Yuki (interpretada por Misa Uehara) junto com a sua corte e suas riquezas.


Rokurota Makabe é um guerreiro habilidoso e um servo dedicado de Yuki (e isso, em uma sociedade sã e ordenada, não tem conotações ruins), que vive integralmente sua missão, com lealdade devota ao seu clã.


A princesa Yuki é uma garota com um temperamento tempestuoso que muitas vezes pode ser confundido com impaciência, arrogância e altivez (o que seria natural de uma princesa). No entanto, ela possui impulsos muito fortes de bondade e empatia que são explícitos no filme.


Os camponeses passam a acompanhar o general e a princesa, pensando em roubar o ouro.

Rokurota, que já sabe dessas intenções, instrumentaliza essa ganância para que eles, sem saber, possam ajudar os nobres fugitivos com a carga.


O grupo então segue seu caminho em território inimigo, buscando um lugar onde a princesa e o general possam reconstruir um exército para retomar suas terras perdidas.


Se vocês perceberem, a história do filme se assemelha muito à de outro filme dirigido por Akira Kurosawa chamado “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre“, que, por sua vez, é baseado numa peça de teatro Kabuki chamada “Kanjinchō“.

Tanto este filme quanto “Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre” mostram que personagens como Rokurota e Benkei possuem um aspecto heróico e idealista, mas isso não os torna cegos para as maldades do mundo. Eles não são caricaturas quixotescas de idealistas ou sonhadores que vagam por um mundo que não mais os compreende. Eles estão plenamente conscientes da decadência do mundo e reconhecem que a reverência ao sagrado muitas vezes não tem relevância para algumas pessoas.


Portanto, eles não se tornam manipuláveis e estão longe de ser ingênuos. Pelo contrário, eles utilizam a astúcia dos cínicos e manipuladores, que eles conhecem e mapeiam muito bem, para alcançar seus próprios objetivos.


Existe aqui um sinal de respeito com a figura do herói tradicional que é muito bem vinda, especialmente nos dias de hoje onde até mesmo a religião é tida como algo próprio da infância da humanidade. Na verdade é o contrário. O homem que não vive pelo sagrado ou pelo ideal é o verdadeiro ingênuo. O homem que vive para servir algo maior que ele, como é o caso de Rokurota, é muito menos manipulável do que o homem que vive apenas pelas suas paixões.

Eis aqui a moral Escondida na Fortaleza.

Jun 05, 202319:31
Akira Kurosawa (Parte 17): Sete Samurais

Akira Kurosawa (Parte 17): Sete Samurais

"Sete Samurais" (Shichinin no Samurai) é um filme épico japonês lançado em 1954, dirigido por Akira Kurosawa. Considerado uma das obras-primas do cinema mundial, o filme combina elementos do cinema de samurai com questões sociais e humanas, explorando temas como honra, lealdade, coragem e sacrifício. A história se passa no Japão feudal do século XVI, durante um período de turbulência e violência. Um grupo de fazendeiros, cansados de serem constantemente saqueados por bandidos, decide contratar sete samurais para proteger sua aldeia. Esses samurais são liderados por Kambei Shimada, interpretado por Takashi Shimura, que se torna o personagem central do filme. O filme apresenta uma rica caracterização dos personagens, cada um com sua personalidade, motivações e habilidades únicas. Os sete samurais escolhidos para a missão são variados em termos de idade, experiência e bagagem pessoal. Eles representam diferentes facetas da cultura samurai, desde o ronin experiente até o jovem idealista. Ao longo do filme, os samurais treinam os fazendeiros para se defenderem contra os bandidos, enquanto também enfrentam desafios internos e dilemas morais. Kurosawa retrata habilmente as tensões entre os personagens, as interações sociais e as dificuldades enfrentadas em uma sociedade dividida por classes. Além de suas sequências de batalha intensas e emocionantes, "Sete Samurais" é um filme que explora profundamente a natureza humana. Kurosawa questiona os conceitos de honra, coragem e sacrifício, levando os personagens a se confrontarem com seus próprios valores e ações. O filme também aborda temas como a relação entre os guerreiros e os camponeses, a valorização do trabalho em equipe e a superação de diferenças para alcançar um objetivo comum. A direção de Kurosawa é brilhante, utilizando de forma magistral a composição visual, a narrativa e a montagem para criar uma experiência cinematográfica memorável. A cinematografia em preto e branco enfatiza os contrastes entre luz e sombra, enquanto a trilha sonora intensifica as emoções presentes no filme. "Sete Samurais" teve um impacto duradouro na história do cinema, influenciando muitos filmes subsequentes, tanto no Japão quanto no exterior. Sua abordagem humanista e sua capacidade de retratar a complexidade dos personagens e das relações sociais são características que o tornam um marco na filmografia de Akira Kurosawa e um clássico do cinema mundial. Mesmo décadas após o seu lançamento, "Sete Samurais" continua sendo amplamente apreciado e reverenciado, sendo um testemunho da maestria de Kurosawa como diretor e da relevância universal de suas histórias e mensagens. É um filme que captura a essência da condição humana e nos leva a refletir sobre questões atemporais, tornando-se uma obra-prima inesquecível do cinema.

May 30, 202326:01
Akira Kurosawa (Parte 16): Akira Kurosawa e a Literatura Russa

Akira Kurosawa (Parte 16): Akira Kurosawa e a Literatura Russa

Neste episódico comento sobre os filmes O Idiota  de 1951, baseado diretamente no romance de mesmo nome de Fiódor Dostoiévski, e Viver de 1952, baseado no livro A Morte de Ivan Ilitch de Tolstoi .


May 26, 202325:50
Tudo é Religião

Tudo é Religião

Nos séculos XIX e XX, havia uma impressão geral que a filosofia ficou esmagada, humilhada pelo imperialismo da física (como bem definiu José Ortega y Gasset) e apavorada pelo terrorismo intelectual dos laboratórios. A investigação da realidade, que era seu emprego por excelência, teve que ser dividida com outras áreas do conhecimento, que estavam ganhando corpo e se provando como axioma. Essas áreas estavam criando uma ponte de conexão visível entre teoria e experimento – algo que a filosofia nunca foi (e, talvez, nunca será) capaz de fazer com tanta precisão. Muitas vezes, a filosofia era até mesmo preterida em determinados assuntos que necessitavam uma validação concreta na realidade. Isso não é necessariamente ruim. Os filósofos precisaram se retrair um pouco tornaram-se mais humildes em suas pretensões, tal como eles obrigaram os teólogos e místicos. A filosofia, depois de supostamemte destronar a religião e a mitologia, parecia destronada pelas ciências naturais, passando a se ocupar quase exclusivamente na mera “teoria do conhecimento”. No entanto, a filosofia não apenas nunca desapareceu quanto também nunca se retraiu – assim como a religião. Fomos nós que nos tornarmos cegos para a assombrosa onipresença da filosofia e da religião em tudo que chamamos de saber, conhecimento e experiência. A filosofia e a religião são tão abrangente que não a notamos. Tudo passa por elas e tudo se define por elas. A filosofia é tão inescapável que até mesmo a pretensão de pensar sua inutilidade já é um ato filosofico. A religião vai além. Existe um homem alojado dentro de cada físico que, de bom grado ou ao seu contragosto, é magnéticamente atraído pelo impuslo de investigar as primeiras e enigmáticas causas de tudo. Se do ponto de vista histórico há uma impressão de que saímos da religião, passamos para filosofia e terminamos nas ciências naturais, apagando as pegadas dos passos anteriores ao longo do percurso. O homem reprimido dentro da matéria, ao longo da história e ainda hoje, percorre o sentido oposto: ele sai da matéria e caminha, pelo o espírito, em direção a Deus, acredite você Nele ou não. Antes da verdade científica se proclamar a última palavra no entendimento pleno da realidade, é necessário entender que os termos que a definem como “verdade” e como “ciência” foi lhe dada pela filosofia por empréstimo. A filosofia, por sua vez, pode até ser materialista ou ateia. No entanto, se a sua relação com a “sofia” (conhecimento) ainda for de “filo” (amizade), sua vocação ainda é magnetizada pelo entendimento que ainda opera na crença de que existe uma ordem oculta na realidade que precisa ser revelada ou resolvida pela razão. Se a filosofia não for baseada na crença de que há verdade e a mentira, o bem e o mal, o melhor e o pior – o binarismo essencial que percorre a religião por excelência, ela nem precisava existir. Em suma, tudo ainda se alimenta no seio místico da fé. Com maturidade, vemos que as ciências naturais ainda estão subordinadas à jurisdição filosófica e esta ainda está subordinada à jurisdição da teologia. Este texto foi inspirado pela leitura do livro “O Que é Filosofia” de José Ortega y Gasset.

May 22, 202311:13
Akira Kurosawa (Parte 15) - Rashômon

Akira Kurosawa (Parte 15) - Rashômon

Rashômon é um filme de 1950, dirigido por Akira Kurosawa, com roteiro de Shinobu Hashimoto e do próprio diretor, baseado em dois contos de Ryūnosuke Akutagawa (“Rashomon” e “Yabu no Naka”).

A história se passa no Japão do século XI e temos como personagens principais um lenhador, um camponês e um sacerdote que se abrigam de uma forte tempestade nas ruínas do Portão de Rashomon.

Portão de Rashomon é uma estrutura histórica localizada em Kyoto. O portão pertencia ao antigo Palácio Imperial, construído no século VIII, e era uma das principais entradas do palácio.

De acordo com a história de Ryunosuke Akutagawa, o Portão de Rashomon foi abandonado e se tornou um local de encontro para criminosos e desabrigados.

Com a chuva demora para passar o sacerdote então, para passar o tempo, começou a contar sobre um julgamento no qual foi testemunha: a história um bandido que estuprara uma mulher e assassinara o marido dela.

lenhador, que estava nesse julgamento como depoente, dá a sua versão do que aconteceu.

A história do filme se desenrola no conflito e no emaranhamento das diversas versões que são contadas da mesma história.

Só no julgamento que é relatado na história, ouvimos quatro depoimentos conflitantes: a história na versão do bandido (que está sendo julgado), a história na versão da esposa estuprada, a história na versão do marido que morreu (e ouvimos a versão dele através de uma médium) e, por último, a versão do lenhador (que seria o depoente no julgamento por ter sido o primeiro a ter visto o corpo do marido depois do crime ter sido cometido, mas revela-se que ele também testemunhou o ato e omitiu isso no tribunal).

Essa multiplicidade de versões dentro do mesmo acontecimento tornou o filme conhecido e até mesmo inaugurou  que seria conhecido como “efeito Rashomon”, um conceito que se refere à natureza subjetiva da percepção de um fato e à possibilidade de diferentes perspectivas sobre o mesmo evento serem igualmente válidas.

Ou seja, o filme teve um impacto cultural tão indelével que seu próprio nome ganhou vida própria.

O filme tem uma estrutura de narrativa não convencional que sugere a impossibilidade de obter a verdade sobre um evento quando há conflitos de pontos de vista.

Ele foi referenciado por gerações de admiradores, a ponto de qualquer trabalho que incorpore uma estrutura de “narrador de flashback não confiável” acabará sendo comparado a ele.

Rashômon revelou as maneiras pelas quais as pessoas veem o mundo e como elas projetam a realidade e moldam o passado ao seu próprio capricho.

O filme ainda nos provoca ao apresentar, mas nunca responder qual seria a versão verdadeira do fato.

Enfim, Rashomôn é um brilhante filme filosófico de Akira Kurosawa, construído como quebra-cabeça que coloca a memória e a percepção da verdade em suspeição – não entregando para nós as resoluções dos conflitos propostos.

May 19, 202314:36
Civilização no imaginário cientificista – Reflexões sobre o quarto episódio da série “A Vida em Outros Planetas” (Netflix)

Civilização no imaginário cientificista – Reflexões sobre o quarto episódio da série “A Vida em Outros Planetas” (Netflix)

Há uma mini-série de ficção científica da Netflix que se chama “A vida em outros planetas”.

Essa mini-série possui 4 episódios, cada uma fazendo a especulação sobre como seria a vida em 4 planetas: AtlasJanusÉden e Terra (não é a “Terra” que você está pensando, o nome do planeta em inglês está como “Terra” mesmo, e não “Earth” – não seria possível uma tradução para o português sem a ocorrência imediata desta confusão).

O último episódio, “Terra”, é o mais interessante pois traduz ao máximo o que se tornou o sonho ocidental do imperialismo da física.

Neste episódio, temos um planeta chamado Terra, cuja civilização é considerada extremamente avançada ao ponto de estar terraformando e colonizando outro planeta em seu sistema estelar.

O episódio apresenta em seu exame principal a ideia de que as civilizações se configuram conforme sua capacidade de uso energético: ou seja, a série vocaliza uma perspectiva extremamente materialista.

Marx dizia que a civilização é algo que ocorre na órbita da economia (a infraestrutura), os cientificistas dizem que a civilização é algo que ocorre na órbita da manipulação energética.

É interessante notar como o episódio trata “Terra” como uma projeção desejável do futuro da humanidade.

Os habitantes deste planeta venceram a morte e a desigualdade.

Eles são tão evoluidos que perderam seus corpos, tendo feito bioengenharia de si mesmos como massas de tecido neural mantidas vivas dentro de tanques.

Eles são tão evoluidos que são alimentados por nutrientes de plantas cultivadas e igualitariamente atendidos por robôs de sua própria criação, tornando-se, inclusive, biologicamente imortais.

Os habitantes deste planeta também venceram o individualismo.

Eles são tão evoluidos que suas mentes estão todas ligadas em uma única inteligência unificada e coletiva.

Não há mais conflitos, todos são perfeitamente harmônicos.

Também não há sinais de religiãoculturapoesia ou pensamento metafísico, pois toda sua sociedade está conformada apenas em alongar a vida indefinidamente e da forma mais otimizada e prazeroza possível.

Em suma,  a percepção de uma “sociedade evoluida” em uma mente radicalmente cientificista e pragmática reduziu o conceito de “sociedade perfeita” numa espécie de cultura de fungos?

Esse é o grande paradoxo da queda do pensamento ocidental: o abandono do Éden, do Valhala ou dos Campos Elíseos, para esse tipo de ambição estranha.

May 15, 202321:11
Akira Kurosawa (Parte 14) - Akira Kurosawa e a Vocação Médica

Akira Kurosawa (Parte 14) - Akira Kurosawa e a Vocação Médica

Pra quem não sabe, o tema da vocação médica foi um dos interesses de Akira Kurosawa e resultou em 2 filmes: Duelo Silencioso (1949) e Barba-Ruiva (1965).


Em Duelo Silencioso, acompanhamos o Dr. Kyoji Fujisaki (interpretado por Toshiro Mifune), um jovem médico idealista que contraiu sífilis durante o seu serviço na Segunda Guerra Mundial, ao cortar-se acidentalmente com uma lâmina contaminada enquanto realizava uma operação em um paciente infectado.

Contaminado com esta doença infecciosa que, além de ser praticamente incurável, marca seu portador com um estigma social, Fujisaki volta para a clínica presidida por seu pai, em silêncio, tratando-se em segredo com Salvarsan (um medicamento para tratar sífilis).

Fujisaki, também em silêncio, cancela o noivado com Misao, sua noiva há seis anos, sem explicação, pois não deseja que ela tenha que esperar vários anos até que ele se recupere (isso se ele se recuperar).

O filme todo é baseado em Fujisaki sofrendo em silêncio, engolindo o choro, enquanto continua exercendo sua vocação médica - pois os pacientes são mais importantes.

Costumo dizer que Duelo Silencioso é o filme mais cristão de Akira Kurosawa.

O personagem principal (Dr. Fujisaki) encarna a ideia do homem que se coloca a serviço do próximo enquanto dissolve em consecutivos atos de autosacrifício baseado no amor. Todo filme é pautado na resignação marmórea de um homem que constantemente engole o choro da sua dor existêncial.


Em Barba-Ruiva (1965) acompanhamos o desenvolvimento da relação entre um médico chamado Dr. Niide (apelidado como Barba-Ruiva e interpretado por Toshiro Mifune) e seu novo estagiário, um jovem arrogante e inteligente que ambiciona ser o médico das elites do país.

Ambos são os únicos médicos em Koishikawa, um distrito de Edo marcado pela pobreza e pela doença. Os personagens são colocados em perspectivas opostas: um vê a medicina apenas como carreira, enquanto o outro vê a medicina como uma vocação humanística. Aos poucos, em contato com o sofrimento dos pobres e necessitados, o jovem rebelde vai se tornando mais parecido com Barba-Ruiva e começa a se afeiçoar ao local que antes odiava.

O filme não apenas apresenta uma maravilhosa jornada de crescimento pessoal para o personagem principal, mas também é um dos melhores exemplos de filmes em que os personagens secundários possuem um peso dramático e narrativo igualmente importante.

Muitas vezes, os personagens principais são utilizados apenas como meio de conectar outras histórias dentro do enredo – ou seja, são facilitadores de narrativas diegéticas dentro da narrativa do filme.

Ao longo do filme, várias histórias paralelas são contadas através dos personagens moribundos, em que eles próprios são protagonistas de seus próprios universos.

Vale pontuar que O Barba-Ruiva é um filme baseado numa coleção de contos de Shugoro Yamamoto de 1959 chamado Akahige Shinryōtan. Por isso a necessidade do filme se ramificar em várias histórias.

No entanto, as fontes literárias deste filme se diversificam.

A subtrama envolvendo a jovem Otoyo (interpretada por Terumi Niki), que é resgatada de um bordel, é baseada num romance chamado Humilhados e Ofendidos de Fiódor Dostoiévski.

Em resumo, trata-se de um dos melhores filmes de Akira Kurosawa. Inclusive, no Japão, já foi considerado o magnum opus do diretor.

May 10, 202326:13
Akira Kurosawa (Parte 13) - Akira Kurosawa e o Trauma Nuclear

Akira Kurosawa (Parte 13) - Akira Kurosawa e o Trauma Nuclear

Neste episódio eu analiso os filmes Anatomia do Medo (1955) e Rapsódia em Agosto (1991), dois filmes que compartilham do mesmo tema: o trauma nuclear.

“Anatomia do Medo” é um retrato expressivo e cáustico da loucura e da guerra na perspectiva de um homem que se tornou paranóico com a possibilidade de um novo ataque nuclear no Japão.

Em vários momentos do filme, somos convidados a repensar a própria questão da loucura no personagem principal – se ela é ou não justificada, dada a experiência muito real de devastação nuclear que o Japão passou.

Rapsódia em Agosto apresenta uma reflexão delicada sobre memória e reconciliação com o passado, mesmo que se tenha que revisitar eventos traumáticos. Kurosawa se serve da história da personagem principal para fazer uma poderosa análise do holocausto nuclear e de seus efeitos sobre a sociedade japonesa e apresenta-nos uma sincera reflexão sobre o choque entre o presente e o passado.



May 05, 202335:07
O Problema do "Hoje" - Progressismo e Conservadorismo a luz da leitura de José Ortega y Gasset

O Problema do "Hoje" - Progressismo e Conservadorismo a luz da leitura de José Ortega y Gasset

José Ortega y Gasset no segundo capítulo de “O que é Filosofia” começa se questionando sobre as mudanças constantes do pensar filosófico, político e artístico ao longo dos tempos. Para o filósofo, essa “constante inconstância” tem uma explicação que historiadores, segundo ele, costumam não dar muita importancia: a ideia de geração.

Não que os historiadores ignorassem, mas não davam a devida atenção que o filosofo achava necessário.

Avaliar a ideia de geração como instrumento de compreensão das dinamicas internas do processo histórico foi ventilada não apenas por Jose Ortega y Gasset (filósofo), mas por Wilhelm Pinder (historiador da arte), Julius Petersen (historiador da literatura) e Karl Mannheim (sociólogo).

A ideia de geração para Ortega y Gasset é importante pois, para ele, para que algo importante mude no mundo, é preciso que antes mude o tipo de homem (no sentido amplo e generalizado de “humanidade”) - pois é deste que sai a história.

Ortega y Gasset complexifica a questão da geração pois a coloca o contexto da sua existência num necessário conflito, quando analisado no recorte do “hoje”.

O “hoje” é algo muito mais complexo do que se imagina e é através dele que, pelo menos parcialmente, explicamos a “constante inconstância” do ser humano.

Para Ortega y Gasset, todo “hoje” envolve, a rigor, três tempos distintos, três “hoje” diferentes, devido a coexistência de três gerações vivendo no mesmo espaço: os jovens, os homens maduros e os velhos.

São três grandes dimensões vitais que convivem alojadas nesse mesmo “hoje”, enredadas umas com as outras e, ao serem diferentes, necessariamente coexistem em essencial hostilidade.

O rapaz, o homem maduro e o ancião expõe manifestamente o dramatismo dinâmico, o conflito e o choque que constitui o fundo da matéria histórica.

A luz dessa observação, vê-se o equívoco oculto na aparente clareza de uma data. 1929, 1945, 1968, 1989 parecem um único tempo, mas em cada uma destas datas importantes vivia um rapaz, um homem maduro e um ancião. Isso significa que cada uma destas cifras se triplica em três significados diferentes e, simultâneamente, abarca os três.

No tempo cronológico coexistem três tempos vitais distintos e, através desse desequilíbrio, a história se move, muda, flui e roda.

Somos todos contemporâneos pois vivemos num mesmo tempo e atmosfera, mas é necessário analisar a contemporâneidade coexistindo com a coetaneidade.

O hoje é dificil de se explicar pois é a um só tempo contemporâneo, coexistente e coetâneo.

Se todos os contemporâneos fossem tambem coetaneos, a historia ficaria cristalizada e petrificada num gesto defnitivo, sem a possibilidade de qualquer mobilidade.

No entanto, a complexidade de se analisar o presente ainda não para por ai, pois dentro de cada grupo geracional há uma porosidade, que faz com que grupos geracionais aprisionados no mesmo tempo presente pratiquem seus escambos, suas alianças estratégicas, suas permutas e também conspirem entre si - o que deixa a avaliação do presente ainda mais caótica.

Isso explica, parcialmente, a relatividade entre tendências conservadoras e progressistas intermediando estes três tempos vitais.

Nem sempre anciãos serão mais conservadores e nem sempre jovens serão mais progressitas.

Aliás, se colocar em absoluto em qualquer um destes campos não é nada mais nada menos do que fugir do grande desafio e da grande responsabilidade de se colocar no presente.

Ser apegado ao passado e a memória, como geralmente faz um conservador, é apenas posição confortável de sair do presente e idealizar um tempo que não exsitiu, ignorando que o passado idealizado também já foi um “presente” e um resultado dinâmico de forças em colisão.

Ser apegado ao “devir”, ao “futuro” e ao que “poderia ser”, como geralmente faz um progressita, é igualmente um apego preguiçoso, pois o futuro, que só existe no universo da projeção, é a massa de modelar perfeita: um “algo” pode ser tudo aquilo que a ideologia prometer.

Leia o resto aqui

May 01, 202326:45
Ad Astra e a Religião

Ad Astra e a Religião

Uma coisa que sempre notei em mim é que sempre gostei de ficções científicas mais contemplativas.


Aliás, sempre acreditei que as ficções científicas foram muito mal interpretadas, pois o cerne da maioria das grandes histórias não está especificamente na “ciência” ou na “tecnologia”, mas sim nas antigas e recorrentes especulações da filosofia, dos mitos e da religião.


Sou naturalmente atraído pelas especulações dos escritores sobre o futuro, pois é da sua imaginação que podemos especular o que, na opinião deles, será transcendental.


Autores como Arthur C. Clarke, Philip K. Dick, Stanislaw Lem e Isaac Asimov trabalham com muito mais frequência temas como “memória”, “identidade”, “origem” e “finitude” do que “exploração espacial”, “robótica” ou “inteligência artificial”.


Quando terminei de assistir Ad Astra, influenciado por uma crítica muito boa que vi no perfil do Gyordano Montenegro Brasilino, fiquei completamente satisfeito pelo ritmo lento e pela abordagem introspectiva da história.


Ad Astra, antes de ser uma ficção científica, é um drama introspectivo.


Conseguir ser introspectivo dentro de uma história que envolve viagens interplanetárias é quase um paradoxo chestertoniano.


As próprias composições cinematográficas deste filme sugerem esse paradoxo. O filme tem duas principais composições: uma “hiperpanorâmica”, onde o invivíduo é completamente “miniaturalizado” em relação ao espaço, e “hipercloses”, que, no sentido contrário, tenta trazer realçar as emoções do personagem. Existe aqui tanto a vertigem da aproximação quanto do afastamento.


Ad Astra se passa num futuro próximo, onde a humanidade conquistou o espaço interestelar e estabeleceu bases em Marte e na Lua.
A história começa na Terra, onde o protagonista, Roy McBride, um astronauta renomado interpretado por Brad Pitt, é convocado para uma missão especial.

Ele é chamado para uma missão urgente para investigar estranhas interferências eletromagnéticas que estão ameaçando a sobrevivência do sistema solar. Essas interferências são acreditadas como sendo causadas por seu pai, o lendário astronauta Clifford McBride (Tommy Lee Jones), que foi dado como desaparecido há mais de 20 anos, enquanto liderava uma missão para o planeta Netuno, em busca de vida extraterrestre.


Clifford McBride não é o protagonista, mas certamente é o personagem principal.


Sua missão de encontrar vida fora da Terra se tornou uma obsessão comparável à do Capitão Ahab em encontrar Moby Dick. Ele abandonou a família, os filhos e até se tornou uma espécie de tirano para cumprir sua missão.


O título “Ad Astra” é derivado da frase em latim “per aspera ad astra”, que significa “por caminhos difíceis até as estrelas”, e tem origem na Eneida de Virgílio.
As estrelas sempre foram muito mais do que “esferas de plasma superaquecido”, elas são símbolos zodiacais. Elas guiam caminhos, essa é uma verdade que

percorre desde os antigos navegadores (que contemplavam o Cruzeiro do Sul, Órion e a Estrela Polar para orientar suas navegações) até os Reis Magos no deserto, que seguiram uma estrela até o sagrado presépio do nascimento de Cristo.


Ad astra é sobre o antigo costume de seguir estrelas. Clifford McBride segue a sua estrela, sua obsessão de descobrir vida fora da Terra. Roy McBride também segue a sua estrela, que é seu pai.


Quando eu disse que Clifford McBride é o personagem principal é porque ele movimenta toda essa configuração temática. Sua obsessão de querer encontrar “vida fora da Terra” não é nada mais nada menos do que a antiga obsessão religiosa de encontrar “vida além da vida”. A velha pulsão pela Eternidade que, fora do ambiente da sabedoria religiosa, se torna enlouquecedora.


Enfim, Ad Astra é mais do que um bom filme pra mim, ele é tudo aquilo que sempre sobreviveu na ficção-científica, até mesmo entre os autores mais ateus: a religião.


Acessem: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

Apr 28, 202313:40
Akira Kurosawa (Parte 12) - Homem Mau Dorme Bem (adaptação de Hamlet de William Shakespeare)

Akira Kurosawa (Parte 12) - Homem Mau Dorme Bem (adaptação de Hamlet de William Shakespeare)

“Homem Mau Dorme Bem” é um filme de 1960 dirigido por Akira Kurosawa, com roteiro de Shinobu Hashimoto e Eijirô Hisaita. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim em 1961. É o primeiro filme produzido pela própria produtora independente de Kurosawa. Assim como “O Anjo Embriagado” (1948), “Cão Danado” (1949) e “Céu e Inferno” (1963), Kurosawa explora aqui o gênero noir.


Toshiro Mifune interpreta Nishi, um jovem que consegue uma posição de destaque em uma empresa japonesa corrupta do pós-guerra, com a intenção de expor os homens responsáveis pela morte de seu pai.


O filme, como o próprio diretor definiu, é uma espécie de denúncia da corrupção e dos crimes que acontecem nos bastidores do mundo dos negócios.


Além do tema da corrupção corporativa, este filme é uma adaptação de “Hamlet” de Shakespeare. A história de “Hamlet” é uma tragédia que gira em torno do príncipe Hamlet, filho do rei da Dinamarca. A trama tem início quando o fantasma do rei Hamlet aparece para seu filho, revelando que foi assassinado por seu próprio irmão, o rei Cláudio, que agora se casou com a rainha Gertrudes, mãe de Hamlet, e assumiu o trono.


Profundamente abalado pela revelação do fantasma, Hamlet jura vingar a morte de seu pai e matar o traiçoeiro rei Cláudio. No entanto, sua fúria deve ser contida, pois seu plano exige cuidado para não ser flagrado em suas intenções e ter seus objetivos frustrados.


No final, Hamlet enfrenta Cláudio em um duelo mortal, onde segredos são revelados, e Hamlet finalmente obtém sua vingança, mas também encontra sua própria morte. A peça termina com uma carnificina e uma mudança no poder na Dinamarca.

Podemos perceber muitos paralelos entre as duas histórias. Assim como em Hamlet, o tema principal de “Homem Mau Dorme Bem” é a vingança do filho em benefício de um pai morto injustamente. Apesar de não ter o elemento da aparição fantasmagórica, todo o material de assombração e retaliação aparece aqui, assim como na obra original. Além disso, o filme insere basicamente todo o setup de personagens da obra original: conspiradores, vingadores e confidentes.


Existe um forte teor de pessimismo que permeia a obra. Shakespeare cria a tragédia maculando a perspectiva heróica e ideal do homem da era renascentista – o homem bom, ético e que vive pela justiça, que é representado por Hamlet.

Hamlet se destaca pela sua aristocracia de espírito em meio a todos os outros em Elsinore, lugar onde ocorre a trama. No entanto, tudo o que acontece em Elsinore – o assassinato de seu pai e a traição de sua mãe – lança o príncipe em um caos interior de decepção e dor que destroem sua fé em qualquer força redentora ou restauradora.


Quando isso acontece, há apenas uma coisa com que ele pode se agarrar, que é a vingança – como uma ideia de justiça manchada pelo ódio.

A queda de Hamlet ocorre antes mesmo de sua morte, quando ele se torna uma figura calculista que se orienta por meio da mentira e da dissimulação.


“O Homem Mau Dorme Bem”, assim como sua fonte original, reforça todo esse ideário pessimista e trágico, com desfechos terríveis para os personagens principais, reforçando a ideia de um mundo onde o mal prevalece.


Em suma, Kurosawa entrega ao público uma dose generosa de incômodo e anticlímax, além de uma reflexão shakespeariana sobre a vingança.

Apr 24, 202315:25
Akira Kurosawa (Parte 11) - Ran (adaptação de Rei Lear de William Shakespeare)

Akira Kurosawa (Parte 11) - Ran (adaptação de Rei Lear de William Shakespeare)

Ran é um filme muito especial pra mim e para história do cinema. É o meu filme favorito do Akira Kurosawa ao lado de Trono Manchado de Sangue. Assim como Trono Manchado de Sangue, de uma das melhores adaptações de Shakespeare já feitas justamente pois ela não se limita a reproduzir ipsis litteris a obra original. Apesar e tratar de temas como ganância, a lealdade, a traição, o poder e a insanidade (tal como a obra original), podemos considerar Ran como uma mistura do drama shakesperiano com o budismo. Isso se dá na mudança radical do caráter do personagem principal. Rei Lear, a peça original, trata sobre sofrimento imerecido. O próprio Lear na peça de Shakespeare é, na pior das hipóteses, um tolo. Hidetora (que seria seu correspondente na obra de Kurosawa), por outro lado, foi um guerreiro cruel durante a maior parte de sua vida: um homem que assassinou impiedosamente homens, mulheres e crianças para alcançar seus objetivos. Considerando essa diferença, o filme de Kurosawa acaba explorando o conceito do Karma, um princípio muito presente no hinduísmo e no budismo, que define a regra cósmica de que toda ação desencadeia uma reação em sentido contrário de retribuição. Essa entre outras coisas eu digo neste programa. Espero que gostem!

Apr 18, 202322:04
Akira Kurosawa (Parte 10) - Trono Manchado de Sangue (adaptação de Macbeth de William Shakespeare)

Akira Kurosawa (Parte 10) - Trono Manchado de Sangue (adaptação de Macbeth de William Shakespeare)

Trono Manchado de Sangue, possivelmente o meu filme favorito de Akira Kurosawa (ao lado de Ran).

O filme transpõe o enredo da peça Macbeth, de William Shakespeare, da Escócia medieval para o Japão feudal, com elementos estilísticos extraídos do teatro Nô.

Apesar da mudança de cenário, linguagem, entre outras inúmeras liberdades criativas, Trono Manchado de Sangue é frequentemente considerado uma das melhores e mais fiéis adaptações da peça, mesmo que pouco ou nada do texto original da peça esteja presente nas falas dos personagens dentro do filme (que até mudam de nome).

Para mim, esse é O EXEMPLO de uma peça bem adaptada, pois faz com que se reflita sobre o senso comum da dinâmica entre autor, obra e leitor.

Em Trono Manchado de Sangue, Kurosawa se torna co-autor de Macbeth - dissolvendo as ilusões de autoria.

Sim, é uma obra adaptada e, sim, é também uma obra completamente autoral, com voz própria.

Esse tipo de obra só é possível porque Kurosawa se determinou a não fazer uma mera tradução literal de Shakespeare para japonês, pois isso seria apenas uma das muitas "inflações babelicas" desconectadas de um sentido real. Pelo contrário, ele retrabalhou toda obra (em textos, imagens e referências), preservando o núcleo imaterial daquilo que faz dela ser uma obra com vocação universal.

É importante tocar no tema do protagonismo da imaterialidade, pois, diferente do que os materialistas pensam, a realidade não é determinada pelo meio (influenciada sim, determinada nunca), mas por aquilo que é, a bem da verdade, divino, simbólico ou metafísico.

Uma adaptação estritamente materialista se preocuparia com trivialidades secundárias como geografia, hábitos, costumes, economia e contexto histórico.

A adaptação de Kurosawa é tão boa e reconhecida, pois busca o núcleo imaterial transcendente na sua fonte.

Akira Kurosawa só conseguiu fazer essa adaptação porque contemplou os mesmos referenciais simbólicos, divinos e metafísicos de Macbeth: o tema da ambição, da culpa e o confronto entre destino e livre-arbítrio. Esses temas perseguem a humanidade, independentemente das condições materiais que lhe são impostas.


Artigo no Taverna do Lugar Nenhum:

https://tavernadolugarnenhum.com.br/resenha/trono-manchado-de-sangue/

Um Olhar Oriental sobre Shakespeare:

http://www.letras.ufmg.br/padrao_cms/documentos/nucleos/intermidia/Scripta%20Celia_Suzana.pdf

Apr 11, 202331:22
A Grande Fuga, Op. 133 – Ludwig van Beethoven

A Grande Fuga, Op. 133 – Ludwig van Beethoven

"A Grande Fuga, Op. 133 (mais conhecida em sua ortografia alemã original, Große Fuge), é uma composição de um único movimento para quarteto de cordas de Ludwig van Beethoven.

Curiosamente, essa obra foi universalmente condenada pela crítica especializada em sua época. A Allgemeine musikalische Zeitung, um jornal publicado nos séculos XVIII e XIX e considerado o mais importante periódico musical de língua alemã de seu tempo, escreveu que a obra era "incompreensível, como o chinês".

Analistas e críticos musicais, ao longo dos anos, descreveram a Grande Fuga como "inacessível", "excêntrica", "difícil" e "cheia de paradoxos". É considerada a obra mais problemática de Beethoven e talvez a mais controversa da literatura musical.

No entanto, com o passar do tempo, sua importância foi sendo cada vez mais notada e defendida. Igor Stravinsky, compositor russo, foi um dos mais notáveis defensores da obra. Ele a descreveu como "uma peça musical absolutamente contemporânea e que será contemporânea para sempre".

Além da música, o que torna a obra tão única no impecável repertório artístico do gênio alemão e talvez explique algumas excentricidades que foram estranhadas na época é o fato da obra ter sido composta quando Beethoven estava quase totalmente surdo e, ao mesmo tempo, completamente comprometido com um grande empreendimento pessoal.

Nos últimos anos, Beethoven tornou-se cada vez mais preocupado com o desafio de integrar a forma barroca na estrutura clássica de Haydn e Mozart. Com a audição comprometida, esse ambicioso projeto se tornou uma batalha heróica de um cavaleiro que, mesmo perdendo a espada, continua marchando em direção ao dragão ou uma luta titânica do gênero humano contra a decadência individual.

Em suma, o alvo de Beethoven debilitado era a transcendência. A Grande Fuga é um resultado desse processo e foi uma obra muito especial e querida por Beethoven. Em sua época, ele era o único que acreditava e defendia ela. Na verdade, ele era o único que a entendia.

Dezenas de análises tentaram aprofundar a estrutura da Grande Fuga, com resultados conflitantes e sem conseguir, sequer, classificá-la em um gênero específico. A obra foi descrita como uma expansão da grande fuga barroca formal, como uma obra de vários movimentos "enrolada" em uma única peça e como um poema sinfônico em forma de sonata.

Beethoven não queria adequar sua música a uma estrutura pré-estabelecida. No entanto, os paradoxos que a peça apresentava não eram fruto de uma revolta, eram a manifestação da vontade do compositor na criação de novas estruturas. O impulso criativo de Beethoven não era orientado por uma visão revolucionária, onde para nascer o novo o velho deveria ser destruído. Não havia essa fetichização de "quebrar paradigmas", mas de construir novos. Somar e não substituir.

Apr 06, 202330:15
The Whale não é sobre obesidade

The Whale não é sobre obesidade

Recentemente a Dove acustou o filme The Whale de Darren Aronofsky de "fat suit", termo que significa usar “uma fantasia de gordo”, ou uma espécie de “apropriação de gordura”, similar a chamada “apropriação cultural” .


É intrigante saber que vivemos num mundo onde uma marca de sabonete se acha qualificada para pautar uma discussão pública sobre arte.


Isso revela muito sobre os efeitos do definhamento da educação simbólica, que impossibilita a pessoa enxergar além do que é explícito, e sobre hipervalorização do pensamento crítico (uma das coisas mais superestimadas do nosso século).


Tudo isso é combinado com uma baixa capacidade de interpretação misturada com uma grande vontade de sinalizar virtude.


Pensamento crítico, engajamento, militância e sinalização de virtude são expedientes estratégicos de campanhas publicitárias.


A discussão sobre "gordofobia" em The Whale está entre as manifestações mais exemplares de pauperização da crítica cultural, a começar pelo simples fato de que esse não é filme sobre obesidade. Se você acha que a Dove deveria se preocupar em fazer creminho pro cabelo e menos debate cultural, esse podcast é pra você.

Apr 01, 202335:27
A Espera, de Keum Suk Gendry-Kim - O Drama das Famílias Separadas na Guerra da Coréia

A Espera, de Keum Suk Gendry-Kim - O Drama das Famílias Separadas na Guerra da Coréia

“A Espera” da quadrinista e escritora sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim, conta a história de Jina, uma escritora que se esforça para entender a vida de sua mãe, Gwija. A trama é centrada na história de Gwija, uma senhora coreana que, aos dezessete anos, foi forçada a se casar com um estranho para escapar da crueldade de servir às tropas japonesas como “mulher de conforto” durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa.


Ainda que tenha se casado relutantemente, Gwija consegue encontrar felicidade ao lado de seu marido e ter dois filhos. No entanto, a Guerra da Coréia transforma a família em refugiados itinerantes, separando-os e levando Gwija a iniciar uma nova família no Sul sem nunca esquecer a antiga.


Anos depois, Jina promete ajudar sua mãe a se reconectar com sua antiga família, mas a espera se torna cada vez mais difícil e desesperançada à medida que Gwija, agora idosa e frágil, vê-se distante do sonho de rever seus entes queridos e de reconciliar-se com seu passado.


“A Espera” é uma obra de ficção baseada em testemunhos reais de três pessoas que viveram o drama da separação de famílias durante a Guerra da Coréia. A autora Keum Suk Gendry-Kim habilmente retrata a história comovente e cativante de Gwija, trazendo à tona temas como amor, família, identidade e esperança. A obra é uma homenagem emocionante àqueles que sofreram as consequências da guerra e da separação de suas famílias.

Neste podcast conto um pouco sobre cada capítulo e um pouco cada capítulo.


Esta obra conta a tristeza da peregrinação forçada de diversas famílias devido à eclosão de uma guerra cujos motivos eles desconhecem.


Os mais afetados pela guerra são os que menos entendem o que está acontecendo, e nem mesmo a divisão entre o Sul e o Norte da Coreia é conhecida por eles.


Esta obra expõe como as famílias comuns estão completamente alheias às disputas econômicas e ideológicas dos governantes, que muitas vezes agem como demônios e como elas viveriam pacificamente sem saber o que é comunismo ou capitalismo.


Acesse:

https://tavernadolugarnenhum.com.br/

Mar 27, 202344:23
Akira Kurosawa (Parte 09) - Céu e Inferno (1963) e o Ódio de Classe
Mar 22, 202326:11
Akira Kurosawa (Parte 08) - O Cinema Noir de Akira Kurosawa
Mar 17, 202325:37
Witchfinder General: Drama Histórico, Folk Horror ou Faroeste?

Witchfinder General: Drama Histórico, Folk Horror ou Faroeste?

Acabei de assistir o filme Witchfinder General (traduzido para o português como "O Caçador de Bruxas"),um filme de britânico de 1968 dirigido por Michael Reeves e estrelado por Vincent Price.

Embora o filme seja normalmente classificado como um filme de horror, até mesmo componente do segmento de "horror folclórico", podemos entender melhor este filme como um "faroeste inglês gótico" misturado com "drama histórico".

A estética de Witchfinder General reflete interessantes contrapontos de beleza e violência, algo muito explorado nos filmes de horror folclórico até hoje (basta ver Midsommar de Ari Aster).

A estétca do horror folclórico trabalha com o contraste barroco entre a beleza rural e a brutalidade criando a incômoda ideia recorrente do nosso imaginário de violação simbólica do Éden.

O filme está entre os filmes mais violentos da história e suas cenas até hoje impressionam.

Para a British Board of Film Censors, trata-se de "um estudo de sadismo no qual cada detalhe de crueldade e sofrimento é tratado com amor".

O filme é um relato fortemente ficcionalizado das façanhas de Matthew Hopkins (interpretado maravilhosamente por Vincent Price), um advogado que falsamente alegou ter sido nomeado "Witchfinder General" (caçador de bruxas geral) pelo Parlamento durante a Guerra Civil Inglesa para erradicar a feitiçaria e bruxaria no país.

Trata-se de um sujeito que realmente existiu.

Ele ainda apresenta temas que me são muito caros, como a perseguição aos católicos nos condados de Norfolk, Suffolk e Cambridgeshire - que eram julgados e condenados como bruxos pela comunidade puritana.

Enfim, Witchfinder General é um dos melhores filmes britânicos de todos os tempos.

Feb 26, 202329:32
As Bodas de Satã é um filme cristão? O perfil cinematográfico de Terrence Fisher

As Bodas de Satã é um filme cristão? O perfil cinematográfico de Terrence Fisher

The Devil Rides Out, também conhecido como The Devil’s Bride nos Estados Unidos (pois, segundo a Hammer, The Devil Rides Out soava como um filme de faroeste) e traduzido para o português como As Bodas de Satã, é um filme de terror britânico de 1968, baseado num romance ocultista de 1934 de mesmo nome do autor Dennis Wheatley.  Este filme foi roteirizado por Richard Matheson (autor do livro Eu sou a Lenda), dirigido por Terence Fisher e estrelado por ninguém menos que Christopher Lee.  Terrence Fisher é uma figura extremamente importante na história do cinema de horror.  

Ele foi o primeiro a dar vida ao horror gótico em cores e um dos primeiros a levar conotações sexuais e horror explícito para o grande público. Embora essas características possam parecer suaves para os padrões atuais, não há como negar que não havia precedentes dessa abordagem em sua época – especialmente na escala de filmes que produzia.  O que é mais interessante em Terrence Fisher é que ele era reconhecidamente um conservador cristão e sua visão artística, além de beber da influência de Afred Hitchcock, era muito norteada pela fantasia de Charles Williams e C.S. Lewis.  Em quase todos os seus filmes existe uma forte perspectiva cristã: muitas vezes há um herói que derrota os poderes das trevas por uma combinação de razão e fé em Deus, em contraste com outros personagens que são cegamente supersticiosos ou presos num racionalismo dogmático. 

Terrence Fisher em The Devil Rides Out despeja sorrateiramente o velho contéudo moral cristão da prevelência do bem contra o mal, fantasiando tudo num divertimento bobo de filme B.  O satanismo aqui é mostrado como estranhos rituais carnavalizados de uma elite aristocrática – algo que ele reproduz da obra original da qual o filme foi inspirado.  

O embate entre o bem e o mal não toma a forma de um clássico exorcismo, mas uma espécie de guerra entre magos no melhor estilo Gandalf contra Saruman.  O autor original da obra, Dennis Wheatley, chegou a conhecer pessoalmente Aleister Crowley, fez parte do London’s Ghost Club (sociedade discreta de estudos paranormais) e demonstrou interesse pelo “Caminho da Mão Esquerda”.  No entanto, foi lúcido o suficiente para não levar a sério toda aquela bobagem e, depois de se converter ao cristianismo, tomou o “Caminho da Literatura” para denunciar a insalubridade destas seitas que, inclusive, eram frequentadas por poderosos e simpatizantes do nazismo. 

 Infelizmente seu amigo, Crowley, não fez o mesmo caminho – acreditando piamente, até o fim da vida, que era um bruxo e vocalizava a vontade de Harpócrates (digo infelizmente pois acredito que ele seria um ótimo autor de horror cósmico, talvez até melhor que Lovecraft).  Para os fãs de Heavy Metal, Steve Harris diz que compõs o clássico The Number of the Beast baseado num pesadelo que teve depois de ter assistido esse filme.  Inclusive, algumas cenas desse filme foi colocada no clipe.  

Acesse: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

Feb 25, 202314:38
Junji Ito é uma mistura de Lovecraft, Budismo, Folclore Shintô e Traumas Nucleares

Junji Ito é uma mistura de Lovecraft, Budismo, Folclore Shintô e Traumas Nucleares

Neste drops do Taverna do Lugar Nenhum eu conto minhas primeiras impressões da série Junji Ito - Histórias Macabras do Japão da Netflix

Feb 12, 202316:59
Akira Kurosawa (Parte 06) - O Túnel e a Tempestade

Akira Kurosawa (Parte 06) - O Túnel e a Tempestade

Neste episódio eu continuo falando sobre o filme sonhos. 

Desta vez, eu analiso o Sonho 3: Tempestade e o Sonho 4: O Túnel.  

Estes dois sonhos tem suas dimensões simbólicas ligadas a mitologia e folclore.  

O terceiro sonho conta com a figura de uma conhecida lenda da cultura japonesa: a Yuki-Onna.  O quarto sonho conta com um Cérberus. 

O cão que guarda as fronteiras do mundo dos mortos e dos vivos.  Através de informações da biografia do Akira Kurosawa eu tento entender o que cada um destes sonhos simbolizam.  

Para mais conteúdos, acessem: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

Feb 11, 202337:10
Sobre Brasília: Sinfonia da Alvorada - Tom Jobim, Stalinismo e Positivismo

Sobre Brasília: Sinfonia da Alvorada - Tom Jobim, Stalinismo e Positivismo

Brasília: Sinfonia da Alvorada é um poema sinfônico composto por Antônio Carlos Jobim com letra de Vinícius de Moraes em 1959 celebrando a inauguração da nova capital do Brasil em 1960, Brasília.

A obra é dividida em 5 movimentos, nos quais são discorridos diferentes temas.

O primeiro movimento fala da paisagem virgem do planalto central anterior à construção.

O segundo movimento conta a chegada do homem branco e o ímpeto heróico de fundar uma cidade.

O terceiro movimento conta a chegada dos trabalhadores.

O quarto movimento fala do processo de construção da cidade (a parte mais bela do poema na minha opnião - pois aqui ele fala da dor e das saudades do homem comum).

O quinto movimento é um canto de exaltação à nova cidade (que, pra mim, é propaganda política pura).

É interessante notar que Vinicius de Moraes parece caminhar em entre uma visão critica e ao mesmo tempo bajulatória de todo esse processo.

O que pode parecer contraditório, mas é uma contradição metodológica.

Vinicius de Moraes parece entrar em conformidade com um certo ideal de sublimação histórica das contradições do passado e do presente pelo alcance de um bem-futuro (e Brasília representava isso) - que é uma coisa muito marcante tanto no movimento marxista-leninista (especialmente estalinista) quanto no ideal dos militares positivas do nosso Exército.

Na parte onde ele fala dos bandeirantes, por exemplo, Vinicius de Moraes exaltata-os como heróis ao mesmo tempo que reforça a ideia de que pelas mãos deles os índios foram massacrados.

É um duplo e complexo padrão de admiração-repúdio, de “duplipensar”, que torna a chave de interpretação histórica maleável - sujeita aos interesses de quem a controla. O engraçado é que esse vício estalinista é presente até mesmo em quem seria subordinado, caso vingasse uma revolução.

Em suma, Brasília: Sinfonia da Alvorada é arquitetura soviética e pensamento positivista em formato sinfônico. É muito bom, é horrivelmente bom.

Feb 09, 202323:51
Minas Morgul (Summoning): Black Metal, Tolkien e Contradições

Minas Morgul (Summoning): Black Metal, Tolkien e Contradições

Minas Morgul é o primeiro disco que escuto da banda Summoning.

Pelo título do disco e das letras já deu pra notar que trata-se de um disco conceitual, baseado na obra Senhor dos Aneis de Tolkien.

Minas Morgul é uma cidade-fortaleza na fronteira de Mordor, construída durante o reinado de Isildur para proteger Gondor.

O disco utiliza bastante sintetizadores, guitarras bem básicas, bateria programada e vocais guturais que, longe de serem agressivos, são suavemente ásperos com rosnados rítimicos.

A produção é arejada, dando ao álbum uma enorme sensação de paisagens sonoras sem fim que estimulam a imaginação.

Pra mim, não é Heavy Metal - é outra coisa - é música ambiente.

É interessante ler sobre o processo de composição deste disco, que se baseia em uma troca de ideias e arquivos entre os dois compositores da banda (Protector e Silenius).

Esse disco exala uma maravilhosa artificialidade de “folk eletrônico”.

Por ser baseado na obra de Tolkien, o disco possui uma atmosfera medievalesca - mas o curioso é que tudo é altamente sintetizado e computadorizado, exalando a inadequação dos artistas em sua própria época e expondo as feridas de suas contradições.

Contradições estas que eles, conscientes ou não, reproduzem no próprio conceito tolkeniano das letras: exaltando a estética pagã e valorizando a moral de uma obra que é violentamente católica (sabendo eles disso ou não).

Feb 06, 202323:10
Kabuki: No Palco com Toma Ikuta - O Resgate da Identidade Nacional

Kabuki: No Palco com Toma Ikuta - O Resgate da Identidade Nacional

Este documentário feito pela Netflix registra a entrada de um jovem chamado Toma Ikuta no universo do teatro Kabuki.

Toma Ikuta era um "idol" quando criança. Uma categoria especial de "super-astro pop", completamente ocidentalizado e muito popular no Japão.

Ele nasceu e cresceu no Japão mas nunca, de fato, cultivou sua identidade japonesa.

Este documentário mostra basicamente um japonês descobrindo o Japão.

Eu estava mais interessado em ver sobre o teatro Kabuki em si, mas o filme se focou nesse mergulho pessoal de Toma Ikuta dentro da própria cultura.

É comum em tempos mais cosmopolitas e globalizados as pessoas cada vez mais se alienarem em relação a própria cultura e se comportarem como estrangeiras dentro do pais (isso é endêmico no Brasil).

No entanto, o documentário salienta o poder magnético das tradições.

Toma Ikuta descobriu o teatro Kabuki com o fascinio e a perplexidade de quem estava vendo algo completamente novo, exótico e interessante - até perceber que tudo lhe era familiar.

Ele não apenas descobriu o teatro Kabuki. Ele descobriu parte de quem ele é nesse processo.

Esqueça esse papo bobo que associa todo orgulho nacional a uma espécie de fascismo.  Participar de algo que está muito além do seu próprio tempo de vida evoca algo mais profundo, algo que vai além da ditadura do imediatismo e da moda.

No fim das contas, não é um documentário sobre o teatro Kabuki, mas um documentário sobre a importância do resgate do passado.

Feb 05, 202314:56
Akira Kurosawa (Parte 05) - Os Sonhos da Infância
Jan 15, 202339:00
Akira Kurosawa (Parte 04): Sonhos e Pobreza. Análise dos filmes "Um Domingo Maravilhoso" (1946) e "Dodes'ka-den" (1971)

Akira Kurosawa (Parte 04): Sonhos e Pobreza. Análise dos filmes "Um Domingo Maravilhoso" (1946) e "Dodes'ka-den" (1971)

A pobreza e a falência econômica são comuns na filmografia do Akira Kurosawa. 

Em "Um Anjo Embriagado" (1946) Kurosawa já delineava no pano de fundo um país decadente, focalizando a atividade crescente de grupos criminosos como a Yakuza. Em "Homem Mau Dorme Bem" (1960) temos o Japão como palco de empresas corruptas ligadas ao governo. Em "Ceu e Inferno" (1963) vemos como a estratificação social no Japão reflete na relação entre vizinhos.

Até mesmo em filmes como "Yojimbo" (1961) e "Sete Samurais" (1954) o recorte de classe acontece de forma escancarada.

Os filmes que eu comento aqui neste episódio são dois onde o olhar de Kurosawa aos menos favorecidos está mais aguçado.

"Um Domingo Maravilhoso" (1946), um dos melhores e mais subestimados filmes da carreira do diretor, acompanhamos um casal pobre que tem um único objetivo: aproveitar o domingo. As paisagens pelas quais eles passeiam estão marcadas por ruínas incendiadas e cartazes publicitários – uma combinação que reflete metaforicamente muito bem a situação geopolítica que eles estão mergulhados: a vida num Japão destruído e ocupado pelas forças militares americanas.

"Dodes'ka-den" (1971) é uma antologia de vinhetas sobrepostas que exploram a vida de um grupo de moradores que vivem numa favela nos arredores de Tóquio, no meio de um depósito de lixo e entulho.

Em ambos os filmes, o diretor busca focalizar como a pobreza afeta a individualidade dos personagens e como eles fazem para superar através.

O sonho, o devaneio, é uma ferramenta útil para enfrentar a realidade ou um mecanismo para escapar dela?


Dec 02, 202201:03:54
Akira Kurosawa (Parte 03): Fascismo e Liberdade de Expressão - Análise do filme "Não Lamento Minha Juventude" (1946)

Akira Kurosawa (Parte 03): Fascismo e Liberdade de Expressão - Análise do filme "Não Lamento Minha Juventude" (1946)

Neste podcast analiso filme "Não Lamento Minha Juventude", de 1946.

Esse filme é a exposição do fascismo em si, uma imposição ditatorial assentada na instrumentalização de valores tradicionais que, com a desculpa do anti-comunismo, se torna promotor de perseguição política e alienação social.

Trata-se do primeiro filme de Kurosawa feito após o fim da Guerra do Pacífico, época em que o governo militar do Japão estava completamente dissolvido e havia uma certa brisa de democracia correndo correndo pelo país, mesmo que falsa, puramente retórica e dada em contextos completamente traumáticos.

Apesar de ser um filme político, ele nem de longe se assemelha ao perfil do realismo socialista soviético, onde há a negação do indivíduo e do universo subjetivo de análise. Muito pelo contrário, todo panorama político apresentado no filme é condensado num âmbito de experiências pessoais da personagem principal, Yukie - a primeira e única protagonista feminina da filmografia de Kurosawa.

Oct 24, 202229:33
Akira Kurosawa (Parte 02): Tradição Popular, Teatro Noh e Kabuki. Análise do filme "Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre" (1946)

Akira Kurosawa (Parte 02): Tradição Popular, Teatro Noh e Kabuki. Análise do filme "Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre" (1946)

Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre é um filme escrito e dirigido por Akira Kurosawa em 1945 (mas só lançado em 1952), baseado numa peça kabuki chamada Kanjinchō (de Namiki Gohei III), que por sua vez é baseada numa peça noh chamada Ataka (de Kanze Nobumitsu).

Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre é o melhor exemplo de como seria um teatro noh dirigido por um cineasta.

Trata-se também de um dos filmes mais curtos e musicais de Akira Kurosawa.

Sua dramaturgia e sua história estão completamente voltadas para as tradições japonesas.

O filme alterna entre diálogos e cantos que conduzem a narrativa, como é típica do teatro japonês.

Em momentos chave do enredo, a feição do filme se alterna para um teatro noh explícito, com os atores fazendo movimentos lentos e controlados, ao som atmosféricos de flautas e tambores.

Pela época em que foi feito e pelos valores que trazem consigo, esse filme foi inicialmente banido pelo general Douglas MacArthur, Comandante Supremo das Forças Aliadas, durante a ocupação americana no Japão no final da Segunda Guerra Mundial.

Apesar de não ter nenhum aspecto militarista ou mesmo nacionalista, o filme foi banido, provavelmente, devido ao seu retrato de valores feudais do Japão e uma noção de respeitabilidade mística com seus principes e imperadores.

Trata-se de uma exposição poética da aristocracia tradicional, da organicidade das relações entre nobres, súditos e a casta guerreira – não se furtando da existência das contingências políticas que até hoje soam atuais (com golpes e perseguições) e dos problemas sociais típicos da época.

O filme foi re-lançado mais tarde após a assinatura do Tratado de São Francisco em 1952.

Oct 17, 202242:52
Akira Kurosawa (Parte 01): Ética Marcial e Civilização - Uma Análise do Filme "A Saga do Judô" (Sugata Sanshiro, 1943)
Oct 11, 202240:04
Better Call Saul e a Redenção

Better Call Saul e a Redenção

Apesar da série ter 6 temporadas, o desenvolvimento do personagem principal pode ser dividido em 3 partes assimétricas.

A primeira (e maior) parte vai da primeira temporada até o último episódio quarta, que é basicamente o processo de transformação de Jimmy McGill em Saul Goodman.

A segunda parte é a quinta temporada inteira até o penúltimo episódio da sexta-temporada, onde Jimmy McGill sofre as consequências desta transformação.

A terceira parte é o último episódio da sexta temporada, que é a redenção de Jimmy McGill e a morte de Saul Goodman.

Toda essa assimetria não configura um desatino de roteiro, mas algo que reforça o próprio tema de toda série: a redenção cristã.

Aug 29, 202239:12
Uma Conversa sobre Vampiros (convidado: Felipe Melo)
Jun 20, 202253:36
The Wire é Alta Cultura

The Wire é Alta Cultura

The Wire funciona para avaliações mais contingentes e políticas.

Existe uma boa avaliação sobre a correspondência entre o crime nas ruas, o departamento de policia, as escolas, o poder público, o juri, o crime internacional, a imprensa e as esferas federais.

A série também funciona como exposição das questões universais do homem.

A correspondência entre honra, respeito, vingança, piedade, livre-arbítrio e violência no universo da alma.

Sim, estou falando que The Wire se encontra no escopo da ALTA CULTURA mesmo. The Wire, pra mim, está na turma da Divina Comédia, da Ilíada, da Odisséia e do Rei Lear.


Acessem o Taverna do Lugar Nenhum: https://tavernadolugarnenhum.com.br/

Jun 14, 202237:07
5 Filmes Subestimados de Alfred Hitchcock
Jun 05, 202238:17
Evento: Beers and Books - Discussão sobre a Balada do Velho Marinheiro

Evento: Beers and Books - Discussão sobre a Balada do Velho Marinheiro

Conversa muito maneira que tivemos sobre a Balada do Velho Marinheiro no Bar Lado B em Campinas. Desculpem o áudio estar uma merda, mas é que foi LITERALMENTE uma conversa de bar. 

Apr 24, 202202:12:16
Blade Runner e a Importância dos Olhos
Mar 07, 202206:59
Santo Agostinho - A Memória e o Transcendente
Feb 21, 202223:55
O Auto da Compadecida

O Auto da Compadecida

O Auto da Compadecida como filme não tem a mesma projeção de Cidade de Deus ou Central do Brasil. Apesar da universalidade da obra, o filme está tão mergulhado em sua afirmação regionalista que parece ser um filme que só brasileiro irá conseguir entender o quanto é bom (sendo otimista aqui). Essencialmente, não é filme pra gringo ver e, pelo que conheço Suassuna, ele não faz a MENOR questão disso. O Brasil de Suassuna e Leandro Gomes de Barros não deve satisfações ao público estrangeiro – eles é que devem aprender com a gente.

Saiba mais aqui

https://tavernadolugarnenhum.com.br/cinema/a-genialidade-do-auto-da-compadecida/

Feb 07, 202244:57
Sonhos Elétricos - Philip K. Dick (Parte 3)
Jan 24, 202227:39
Sonhos Elétricos - Philip K. Dick (Parte 2)
Jan 17, 202234:02
Sonhos Elétricos - Philip K. Dick (Parte 1)
Jan 11, 202237:34
The Sopranos - Como a TV foi ressignificada
Jan 01, 202217:26
Cowboy Bebop - Da colagem a ressignificação

Cowboy Bebop - Da colagem a ressignificação

A obra consagrada de Shinichiro Watanabe misturou, sampleou, redefiniu e re-significou tantas coisas que criou um gênero próprio, uma identidade única – que talvez só encontre paralelo em Kill Bill (2003) de Quentin Tarantino.

Essa identidade única de Cowboy Bebop surgiu da mistura de animação japonesa, blaxpoitaion, filmes de Kung Fu, Western Spaghetti, filmes noir, filmes de espionagem, filmes de máfia e literatura de ficção-científica (de space opera a cyberpunk).

Aqui eu discuto sobre o conceito de colagem e ressignificação nessa obra.

Aug 29, 202101:04:34
Star Trek - Série Clássica (Primeira Temporada)

Star Trek - Série Clássica (Primeira Temporada)

Star Trek (em português, Jornada nas Estrelas) é uma space opera criada por Gene Roddenberry que iniciou-se em 1966 na televisão e permanece até hoje em formato de séries, livros, paródias, filmes, romances, quadrinhos, jogos e brinquedos.

Neste primeiro episódio da segunda temporada do Taverna do Lugar Nenhum, comento sobre o criador, falo dos melhores episódios da primeira temporada da série clássica e faço algumas pontuações políticas e filosóficas pertinentes aos temas tratados.

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Vida longa e próspera 🖖

Feb 12, 202159:54