Textos & Trilhas
By Rowney Furfuro
Textos & TrilhasMar 29, 2020
Desmorona-se o céu em textos e trilhas
Sinto-me amputado na voz e nos sentimentos ao escrever esse epílogo. Como poeta e compositor, sinto-me frustrado ao pensar que a obra encerra-se na sua maternidade. Sim é verdade que o Textos & Trilhas nasceu de um momento de inspiração e válvula de escape para a pressão de um momento inusitado. Confinado fisicamente, libertei as amarras da alma e fui reencontrar as lembranças e os momentos que se fizeram de música e poesia ao longo das mais de 5 décadas que passaram pelos meus olhos e coração.
Foram 37 episódios de uma entrega total a um projeto, de que não tenho memória já ter visto antes. Quero manifestar a minha gratidão a todos que chegaram até aqui. Mas deixo o compromisso de pesquisar se, de facto, esse podcast pode ser alvo de censura. Caso haja uma réstia de luz, a segunda temporada será uma realidade.
Por enquanto, só se vive uma vez. Bem haja
Tears in my soul
Pela primeira vez em Inglês. Nem acredito que o fiz! Mas de facto há expressões que não se podem mudar. As palavras tem uma identidade tão forte que a sua tradução torna-se impossível. Mais do que palavras, quis expressar o meu mais profundo sentimento de amor, que uma alma pode experimentar. Amar um filho. A vida brindou-me com a felicidade de ser pai. Mas ao ouvir esse texto escrito pelo Eric, me dei conta de quão grande é o amor de um pai, que continua a amar seu filho, muito para além da vida. Nascimento e morte são apenas duas passagens. O amor será talvez a constante universal que acompanha toda existência da alma. Por isso encontrei na trilha de Toquinho, o alento para o curso natural, onde o filho acompanha seu pai até a porta e dá-lhe um beijo de conforto.
Passarim do Brasil
Aos 23 anos um jovem cheio de sonhos e projectos, entra num avião da TAP, partindo de Belo Horizonte no Brasil, rumo a Lisboa em Portugal. Era um jovem que como tantos outros sonhava um futuro para o seu país natal. Mas reconhecia a dificuldade de realizar os seus próprios sonhos num país dilacerado por séculos de autoflagelação. Em sua viagem que idealizava de ida-e-volta, deixava suas raízes com a dor de quem parte para o desconhecido. Quando o avião anuncia a chegada em breves instantes, abrem-se os videos nos ecrãs e do som dos altofalantes, ecoa uma canção que nunca mais deixou de ecoar na memória da história deste jovem. Em meio a uma profusão de imagens que emolduram o cartão postal de um país, o cantor questionava a opção do jovem, como se soubesse o que reservava o futuro. Sua pergunta afinal tinha uma resposta. Sim. É possível ser feliz noutro lugar. Como a paternidade não é uma questão apenas de gametas, mas de amor, assim é a pátria mátria. Paternidade é um dom de quem educa, dá amor e ajuda a crescer. Aqui é o meu país, a mátria pátria Portugal que me acolheu como um filho. Recebeu-me, amou e fez daquele jovem, o homem que sou hoje.
Porto de travessia
Pela primeira vez, em cada regresso à casa, fazer a travessia entre as duas margens da minha vida, fez-me ligar dois temas entre si. Uma espécie de reciprocidade poética. Como na minha vida, refém de duas margens, sempre ligadas e indissociáveis. Pela primeira vez nos Textos & Trilhas, dois temas se entrelaçaram e trocaram suas roupas (episódios 33 e 34). Trocaram de alma. Mantiveram no entanto a sua identidade para realçar que se podem refletir as almas e os sentimentos, de diferentes formas e em diferentes registos. Nesse momento paradoxal tão singular e plural em que meu coração anda de uma margem para outra. Nesse Porto onde faz a Travessia sobre um Douro que corre entre as montanhas da minha memória. Como se esgueirasse a fugir à solidão que a distância do tempo, impõe impiedosa.
Travessia no Douro
As duas margens do meu ser não se poderiam ligar por uma ponte, senão pela alma dos artistas que compõem as estradas que atravessamos. Umas vezes a cantar, outras a sorrir, mas algumas vezes a chorar. Choro que não traz tristeza e sim emoção. Alegria, esta indizível emoção que permite trazer dentro do mesmo peito, as duas margens tão distantes de uma vida. Por pedras sujas e gastas, vou querer amar de novo e se não der, não vou sofrer. Ver-me assim abandonado, nesse timbre pardacento. Mas sempre como na primeira vez, com a altivez de um Milhafre ferido na asa.
Rui Veloso, Carlos Tê, Fernando Brant e Milton Nascimento, pelos dedos mágicos de Pedro Bottas. Todos ligados numa só voz. A minha voz que atravessou esta ponte, tantas vezes que perdi a conta.
A tua canção
Rock 70 sem você
Eu posso dizer que não sinto o tempo passar, mas na verdade os hippies já não são e os punks já foram. O Rock, esse nunca deixou de roll-ar. Mais do que um estilo musical é uma escolha de vida. Os rockeiros já não são cabeludos desgrenhados. Alguns já são mesmo carecas e outros, grisalhos. Mas a alma que nos move, mesmo que as rugas na face o prove, mantém viva a chama, a gana e as notas altas em guitarras que não morrem.
Ponto de Vista
Ser eclético em termos musicais deixa margens inimagináveis. Explorar mundos diversos, deixar a zona de conforto leva-nos ao crescimento e à descoberta de novos limites. Mas nenhum ponto de vista, será um ponto final.
Estrela milenar
Perguntei ao Renato Teixeira: Qual é maneira da vida brilhar?
Ele disse: Acendendo a fogueira. Pegando uma estrela e jogando no mar!
Perguntei se a verdade é mentira e se o corpo que gira bambeia no ar?
Ele disse: É o som dessa lira que traz alegria pra gente cantar.
Perguntei se o que passa retorna?
Ele disse: O que foi nunca mais vai voltar. Mas além do futuro o passado, nos olha de lado, querendo brincar...
Perguntei se pra um violeiro a questão é dinheiro ou o que é que será?
Ele disse: A resposta é a morena! Deitada na rede de papo pro ar...
Perguntei dos mistérios das coisas, das filosofias pro povo pensar...
Ele disse: A resposta é o silêncio, que mora tranquilo no fundo do mar.
Lembrança da infância
Os laivos de imagens, onde até sinto os cheiros das ruas, sinto o vento, lembranças do tempo em que aprendi a ser feliz. Se hoje trago comigo um sorriso, aprendi na infância. Cercado por montanhas, minadas de ferro, vermelhas como a febre da adolescência que apagava o fogo nas cascatas e lagos, das Minas Gerais. Brincadeiras de rua, de pés descalços, de amigos tantos, que agora à distância, só resta lembrar. O sabor da goiaba, pitanga e carambola, às margens do rio onde passava as férias, sobre o lombo de uma bicicleta ou à cavalo. Com o sol pela frente, montanhas às costas e um sorriso nos lábios, que tempos tão simples, tão livres, tão eternos, nos fazem ter marcas para nunca apagar. Meus primos irmãos Giovani e Marconi, estaremos de novo a correr juntos noutras paragens, à beira do curral. Com a caneca cheia de Toddy, estendida ao Cumpadre Chico, quem ordenhava com espuma o leite mais puro, que tomávamos entre goles de alegria. Histórias da fazenda, contadas pela Fifía, das mulas-sem-cabeça ou dos sacis que habitavam as gameleiras. Lembranças da infância. Lembranças de que nunca nos separamos. Lembranças que agora, somos nós quem contamos. Sempre com o sorriso que aprendemos na infância. O que o amor uniu, a ausência não separa.
Do meu jeito
Elvis e Frank imortalizaram as palavras de Paul, Jacques e Claude. Um momento por que certamente passaram eles e passaremos todos. Sentados no alto de uma montanha, olhamos a estrada que traçamos e calcorreamos. Sem pudores, sem julgamentos. Apenas a partilhar com quem nos vá na alma, nesse instante, um olhar sobre a própria história. Não é um triste final. É antes um momento de júbilo e mais do que tudo, de degustação do todos os momentos. Mesmo aqueles em que a roda furiosa da vida, nos impediu de sorver e apreciar, pois que no instante seguinte, havia outra curva, outra volta, outra subida e mais, muito mais para andar. Juntei-me ao texto, como à trilha. Não poderia deixar de o fazer. E não me arrependo. Se não entrasse de corpo e alma nesse projeto, nessa catarse, não seria eu. Oh, não. Fí-lo com a alma que me conduziu até este ponto. Fí-lo do meu jeito.
Mandamentos do caminho
Vasculhando as imagens da minha memória, deparei-me com um poster, uma guitarra, uma farta cabeleira e a imagem de um amigo a fitar essa foto. Tínhamos perto de 15 anos. Os sonhos e a alegria da adolescência povoava nossos caminhos. Ele, marcado pela imagem da música. Eu pela força das palavras. Ele, Peter Frampton. Eu, Oswaldo Montenegro. Uma amizade de 40 anos, nem sempre presente fisicamente. Assim como Peter e Oswaldo, nunca se encontraram fisicamente. Apenas tornaram-se próximos pela proximidade fixada na ponte de uma amizade sólida e intemporal. Esta amizade mostrou-me o caminho e quero ver vocês, cantando por aí. Que o nosso sorriso de crianças livres, nos permita unir o que a canção nunca juntou. Até aqui, Textos & Trilhas. Meu amigo terá talvez um colapso nervoso ao ouvir esta reunião improvável. Mas comungará da mensagem de uma ponte que, por mais improvável ou de margens distantes, nunca se desfaz. Hoje ele é um artista, como seu ídolo. E eu seu fã, como era o meu amigo a olhar a foto.
Imperio Tropical
Quando se encontram Chico e Carlos, pelas notas de Paulo e Fernando, o Atlântico une, não separa. Para quem sente o amor da segunda pátria, qual família de adopção, sabe do sentimento que liga esta história. Mátria, casa, acolhimento, pertença. É a mistura de sentimentos dos amores de quem paira entre dois pontos de um mesmo rio, quando o Amazonas que corre Trá-os-Montes deságua numa pororoca no Tejo e arrebata o coração de quem ficou. De um lado a menina e moça, do outro a garota que passa, num doce balanço. No centro o coração que ainda vai cumprir seu ideal. Amar sem jaça Brasil e Portugal.
Jovens sem tempo depois de nós
O Renato Russo não teve tempo e eu, sinto que não tenho tempo a perder. Percebi a olhar para a linha do tempo, o perfil da montanha da vida e constato em êxtase que já passei o cume. A subida foi enérgica, por vezes dura. As agruras do cansaço são bem mais doces do que o sangue amargo que deixei nalgumas pedras. Agora, não tenho mesmo mais, o tempo que passou. Então aceita o convite e me abraça forte. Vamos gritar que já estamos juntos. Distantes de tudo. Não temos mais tempo a perder e descer a montanha será aprender a re-significar. Temperança e resiliência para ver o azul dos teus olhos, na tempestade tão cinza quando teus olhos estiverem castanhos. Temos nosso próprio tempo. Construí e partilharei meu horizonte. Quando chegar à praia e molhar meus pés, quero que sintas que o tempo passou, mas não te preocupes com as luzes. Não tenho mais, medo do escuro. Teremos a certeza de que não foi tempo perdido. Então me abraça forte, somos tão jovens e temos o nosso próprio tempo.
O mar de sal dade
A beleza do mar num encontro a três. Pela primeira vez, encontram-se três ícones que como afluentes de uma história comum, convergem e desaguam num mar salgado pelas lágrimas de uma dor desmedida. A dor de quem vai e a dor de quem fica. Sucumbem ante a força inexorável da natureza que cobra em vidas, as marcas dos rasgos que fazem os barcos, no espelho das suas águas. "O mar, quando quebra na praia é bonito".
Obrigado Caymmi e Ferrer por encontrarem-se aqui. Em textos e trilha.
Aroeira desfolhada
Uma ponte sobre o Atlântico. O retrato do tempo reflete-se na cultura. O tempo passa pela cultura sulcando a história da arte. A arte repete no tempo a história da cultura. Estes elementos remetem à memória de tempos que se repetem, traiçoeiros, recorrentes, intragáveis e indeléveis. As marcas deixadas nos homens que marcaram a história do seu tempo, não podem ser vãs. Não devem ser omissas. Devem gritar. No dia que já vem vindo, conforme alerta persistente o amigo Geraldo de outrora ao Ary de sempre, pelas trilhas do Nuno. Todos autores que concedem ao mundo o poder eterno da revolta contra a opressão. Eterno hino, ode a liberdade. Imortal esperança de que na volta, o cipó de aroeira, regresse ao lombo de quem mandou dar.
Cavalo audaz
Quando a audácia reflete mais que as palavras, a ousadia irrompe bravia pelo desafio de ultrapassar os ícones, ou é maturidade ou pura inocência. Seja de que for feito o desafio, os textos são de quem os toma e as trilhas de quem com elas vibra. Este imortal José Carlos Ary dos Santos, uma das minhas referências poéticas mais intocáveis, merecia uma visita. Releitura audaciosa como o cavalo que anda à solta no meu peito. O meu cavalo audaz, o meu amor pertinaz e mais um momento tão sublime quanto fugaz.
Jardim do amor
Os amores e suas quimeras... Manter a esperança e a crença no sentimento que todos gostariam de experimentar, mas acima de tudo receber, é um exercício de sobrevivência e superação permanente. Por vezes as razões para sonhar esvanecem e deixam o amor fenecer. Mas as palavras do poeta, ornamentam os entornos da vida, realçam o superlativo do belo que aportam no colo quente, regaço de alento perene que se veste do sentimento que floresce.
Espere Morena
A pressa de chegar em cada viagem, em cada ausência, faz a saudade apertar. A premência de estar é maior que os escolhos no caminho da presença. É a ausência como uma vergastada, que abre olhos e caminhos para verdadeira magnitude da presença. A estrada é longo e atribulada, mas a calma e a paz da chegada, são o bálsamo e a pedra de toque. Luis Gonzaga do Nascimento empresta o Texto e Dan Lebowitz, a trilha. Assim se compõe a mensagem de onde venho, para onde vou. Para nunca mais voar.
Ela e o caderno
Foi a partir das reflexões de uma amiga muito recente. Ela partilhava a riqueza de ter, ao longo de sua vida, sempre presente um caderno. Ali anotou de forma aleatória, momentos traduzidos em palavras. Foi ouvi-la que acicatou a vontade antiga de trazer esse magistral Poema de Toquinho e Lupcínio ao Textos & Trilhas. Nada acontece por acaso e por ter sido Ela quem me incitou a realização do desafio, nada mais justo que juntar Ela (She), da obra prima de Costelo, ao caderno dela. Seu nome é Paula e seu caderno é um Momento.
Luz dos olhos teus
Se um dia encontrares uma luz nos olhos de alguém que te faça incendiar, então não resistas e faça como o Poeta Vinicius. Deixe-se levar. Deixa o Texto encontrar outra Trilha e que o fogo desse olhar seja a nova centelha, não resistas e não deixe o paradigma dos amores vividos e perdidos, impedir-te de sonhar.
Imagine
O sonho de um poeta caído, deixa o legado de um sonho que nunca se apagará. Agora com outras vestes em mínimas semínimas e colcheias. O Poeta John Lennon (autor do texto), que imaginou tão bem um mundo onde não houvesse razões para matar, deixou um legado de vida. Um sopro de esperança eternizado em forma de convite. Que nunca deixemos de sonhar. Com um mundo sem fome, sem ganância, crueldade ou pragas. Em todos os momentos difíceis da história que sucede estas palavras, seu poema renasce. Como que a relembrar, apesar de haver desvios e rasuras, que o caminho é simples. A resposta é um.
A Trilha Pacefull Conclusion, de Asher Fulero, serve de suporte e veste uma tradução livre, mas fiel do poema original.
Textos e Trilhas
Chegamos ao episódio onde o Texto descreve a música e a Trilha canta o Texto. Encantam-se um pelo outro. Esta simbiose que é um regalo de vida onde meus dedos saltam do teclado para as cordas e quando regressam, transformam as letras em notas, as linhas em pautas, o encontro em canção. Essa é a essência deste podcast. Uma dose semanal de emoção.
Rendido
Uma viagem às sombras de uma trilha que passeia entre ritmos eletrónicos algures entre o RAP e a poesia pura e dura. Um Texto sombrio e de figuras fortes. Marcado por um discurso cáustico e pontuado por imagens de metáforas que expurgam o romantismo como numa espécie de catarse. Rendido traz a tona, o sentimento de incapacidade que tantas vezes assombra a nossa intenção de recomeçar, sem jaça, sem pechas.
Um grito de resignação e aceitação com aromas de uma discordância latente, que verga sob o peso das evidências.
Frente a frente
A celebração do amor quando acontece, suave e delicado como os castelos em areia, recupera devaneios. As sombras crescem e alongam-se até ao clímax do ocaso. Quando o sol se esconde na linha do horizonte é varrido pela escuridão da noite. As ondas vem e apagam as memórias desfazem-se os castelos na areia. No dia seguinte, nova luz, areal em branco. Espaço para novos sonhos, novos castelos, oportunidade para fazer renascer a sombra resiliente do amor.
Fun in the sun
Sem pudores nem concessões ao politicamente correcto, os amores são sempre feridos da Síndrome de Poliana. Em certa medida, as paixões aportam até um complexo de Cinderela. Mas por que é que não se pode sonhar. Afinal a vida imita a arte ou a arte imita a vida? É bom ser audaz e desafiar os tratados relacionais, e vender sonhos em doses moderadas de fantasia. Um romance naif de vez em quando, mesmo picante, acicata a vida!
Vamos celebrar
Quando completei um mês de reclusão auto-imposta, era bombardeado por companheiros de cárcere que distantes dos olhos, mantinham-se perto o suficiente para que a sua energia cessante, clamasse por uma boa dose de reforço positivo. Já por muitos momentos da minha vida, deparei-me com textos do Oswaldo Montenegro que pareciam ter sido enviados pelo Universo. Pensei em como gostaria de enviar uma forte rajada de alegria e gratidão pela vida e lembrei-me que celebrar a beleza de tudo que eu gosto, dito pelas palavras de outro que se encontraram com uma trilha de sorriso fácil! No embalo de uma onda rítmica que passeia pela beleza das coisas simples, fica o convite a quem me ouvir: Vamos Celebrar!!!
Tudo de ti
Sim, é verdade. A década de 70 do século XX, foi uma década de ligação. Foi nessa década que descobri o amor embalado pelos trinados de teclados que marcavam o ritmo dos corações com seus vibratos exuberantes. Mas foram precisos muitos anos, para que um poema de amor do século XXI se encontrasse com uma música do mesmo século, num enlace de cores tão psicadélicas que as palavras entraram num túnel do tempo caleidoscópico. Assim seria um estilo musical moderno se o poema de hoje encontrasse a música de há 40 anos. E ambos dessem um ao outro, tudo de si.
Aurora
Quem nunca experimentou uma longa e inesquecível noite de amor, a revelar-se com o sol de um novo dia? Há momentos em que as palavras ganham uma força tal, que ultrapassam os limites do sentido. Exalam a plenitude da paixão. São capazes de desenhar imagens com tamanha nitidez que por si mesmas, ganham movimento e transformam-se num curta-metragem. A trilha, como num bailado, cobre o plano cinematográfico. Cúmplice, vai servindo de cenário para um amor, segundo Vinícios de Morais, infinito enquanto dure.
Valsa Moderna
O novo paradigma das relações, passa-se num mundo que não existe, mas que reluz de forma inebriante. Marina e Cláudio conheceram sem nunca se ter conhecido. A valsa que embala esse conto moderno, revela que apesar da tecnologia, nada mudou nas relações humanas. A sedução e o encantamento descobriram novos trilhos para os mesmos contextos. O casal desenvolve seu bailado em dois mundos paralelos que só se encontram nas suas fantasias e desejos. Como numa valsa de Cinderela e seu príncipe, ambos mantém viva a fantasia dos que procuram o que talvez nunca encontrem. Ou quem sabe, acabam de encontrar. O final da história, vamos contar juntos. Apesar de não nos encontrarmos!
O meu momento
Em todos os momentos em que me perdi, encontrei nos textos um trilho para me recomeçar. Na trilha de Unicorn Heads mergulhei outras tantas vezes para na essência de um eu profundo, lavar meus fantasmas e exortar minha coragem. No caminho cansado, partilhado no texto de Pedro Abrunhosa, tirei a toalha do chão, agarrei as palavras e numa chuva divina despedi-me para sempre da ferida que dói, não por fora. Por dentro. O mundo é apenas um momento.
A filha que me escolheu
Quando eu soube da sua existência, alguma coisa mudou. Não estava ao seu lado, mas ela nunca mais saiu do meu. A primeira das três filhas, não veio de mim, veio para mim. Fui ao seu encontro na foz da sua vida. Mal pressentiu a minha chegada, esticou os braços e veio ao encontro da nossa história. Embora a vida nos mantivesse juntos a espaços, nosso amor nunca foi intermitente. Contar a história e partilhar é para nós uma oportunidade de dizer ao mundo que a paternidade é apenas amor. Onde vá, onde quer que ela vá, o nosso amor tem brilho, irei sempre ver o seu sinal. Por isso juntei ao meu texto um poema do Oswaldo Montenegro - Por Brilho.
Porto seguro
Numa tradução livre do clássico Bridge over Troubled water de Simon and Garfunkel, a minha leitura de uma viagem em águas revoltas. Ser pai e amigo é responsabilidade a dobrar. Ser pai é aninhar, ser amigo é amparar. Ser pai é ser porto seguro. É ser a ponte que se ergue para atravessar os rios turbulentos na longa caminhada, mas acima de tudo, a maior e verdadeira felicidade.
Sofismas
Do baú das memórias, renasce um dos poemas que escrevi para o livro que nunca chegou a sê-lo. Quando, passados alguns anos de distância, compus esta música, trazia na mente uma coreografia encomendada por uma professora de Ballet. E não é que ao apresentá-los um ao outro, a música encantou-se pelo poema e... nunca mais se separaram. O Moto perpétuo da melodia associado à repetição das evidências, servem um ao outro, o propósito de voltar a estrada, recomeçar como todos os dias acontece nas sucessivas alvoradas.
Tema para Taynah
Aos 15 anos, tenho a sensação de que o tempo muda. Entramos noutra dimensão. A memória dos meus 15 anos era ainda tão presente quando a minha filha mais nova lá chegou, que sem estar preparado, apercebi-me que se fechava de vez para mim. Naquele instante, me dei conta de que já não haveria mais andar com as filhas ao colo. Não haveria mais os serões a contar-lhes estórias. Não haveria mais aqueles quatro olhinhos ávidos pelo momento de o pai as embalar e embrulhar-lhes os lençóis à volta do corpo, num aconchego que mais do que um gesto, era um aconchego de alma.
Metade
Amigo
Trinta e cinco anos depois, reencontrei um amigo, com quem não tive qualquer contacto ao longo deste período. A amizade omnipresente e omnisciente capaz de superar o tempo e a distância. Monolítica e inestimável. Eu deixei tantas vezes passar o tempo, sem dizer a algumas pessoas, tudo quanto deveria ou queria ter dito. Antes que me faltasse tempo, pelas palavras do poeta Vinícios, quis trazer à consciência que sobreviveria à perda de todos os meus amores, mas enlouqueceria se me morressem todos os amigos. A amizade é retratada sob a forma de um amor de escala não mensurável. Um texto de Vinícios de Moraes, onde a referência ao valor da amizade reflete a sua importância na vida de todos.